Foi pelo Facebook que fiquei
sabendo que Plauto Cruz precisava de ajuda e não estava bem de saúde. Foi também
pela rede social que recebi a informação de que os artistas haviam se
mobilizado para fazer um show cuja arrecadação seria destinada a ele. As duas coisas me sensibilizaram de um modo
especial. Afinal, mesmo não sendo tão
musical quanto eu gostaria, esse músico entrou em minha vida há uns 30 anos,
quando Ricardo Silvestrin me informou sobre suas apresentações no Vinha d’alho,
cujo nome só identifiquei quando citado hoje no show.
No programa, 30 músicas
previstas. Alguns nomes que eu conhecia muito bem, outros nem tanto. A plateia
lotada. Confesso que os primeiros quatro nomes eu não conhecia. Já as músicas...
Em 3º lugar, Darcy Alves cantou “Esses moços” e mesmo esquecendo em alguns
momentos parte da letra, sua voz e sua interpretação, receberam fortes aplausos.
De mim, em pé. Tem sido fácil me emocionar ultimamente.
Cristiano Quevedo cativou a
plateia com o seu refrão “Eu te espero, meu coração, vem dividir comigo o
chimarrão”. Logo em seguida, Renato Borguetti, mesmo dizendo que não era muito
de falar, conta que teve o prazer de dividir o espaço muitas vezes com o
homenageado na Cia de Sanduíche, já que morava em frente. No palco, ele mistura
piano, violão, flauta, gaita e parece se divertir. Faz um verdadeiro diálogo
com as notas, o que parece explicar porque ele não é apenas mais um gaitista. O
Clube do Choro também não faz feio e tudo parecia bem até Plauto Cruz aparecer
no palco.
Em uma cadeira de rodas, surgia o
homenageado, visivelmente debilitado. Já vi minha irmã, que foi ao show comigo,
em uma cadeira de rodas depois de ter sido atropelada e convivi com meu pai
debilitado por uma doença cardíaca, mas ali o Plauto era o foco. E nem Claudio Britto (um dos apresentadores além de Tânia Carvalho e Juarez Fonseca), nem os aplausos, nem o pessoal da emergência de prontidão, conseguiu
minimizar a agonia de vê-lo tão de perto tentando ajustar o microfone ou tocar
sua própria flauta. No início, todos apenas aguardavam enquanto ele dizia:
“surgiram alguns imprevistos, mas não é nada”. Mas não demorou para que suas
tentativas se mostrassem totalmente improdutivas. Enquanto isso, as pessoas comuns e a imprensa
faziam fotos e filmavam. Por alguns instantes me vi a favor da censura. Qual a
necessidade daqueles registros? Doía em
mim as tentativas de Plauto de tentar se comunicar ou soprar a flauta. Minha vontade era subir no palco e protegê-lo,
segurar a sua mão, passar a mão na sua cabeça. Onde estavam, afinal, seus
amigos? Ninguém podia tentar ao menos ouvi-lo? Só posso imaginar que ele fizera
questão de estar ali e que aqueles que lhe são mais próximos sabiam o quanto
era importante deixá-lo tentar fazer o que pretendia. Finalmente, Britto tomou a
atitude de pedir palmas e alguém, que acredito ser da sua família, pouco
depois, recolhia a sua flauta. Finalmente, os paramédicos o retiraram do palco.
Ainda ouvimos Plauto dizer: “não era isso que eu tinha planejado”. Ele
argumentara que a flauta não estava funcionando, que o microfone não estava
bom, mas sua fragilidade parecia a explicação para tudo, tivesse ele ou não
razão já que tantos outros músicos reclamariam de algo parecido depois.
Creio que só consegui começar
mesmo a me recompor quando Rafael Ferraz disse que Plauto havia mostrado que a
musicalidade ainda existia em seu coração que, segundo ele, aliás, é onde
aparece pela primeira vez em qualquer músico. Até ver e ouvir Ivone Pacheco,
minha cabeça ainda fervilhava com essas imagens. Depois, Lucio Yanel
apresentou El Condor Pasa não sem antes
dizer que, durante os 26 anos nos quais morou em Porto Alegre, esteve pela
noite próximo de Plautinho, como o chamavam.
E o clima de celebração foi ressurgindo com a interpretação de Noites
Cariocas, do grupo liderado por Luiz Machado, com Feijão no pandeiro. O
destaque para esse último vem por conta do fato de que eu o conheço. Já quase
fizemos um trabalho juntos e sei da sua ligação profunda com a música e seu
jeito divertido, o que deve justificar ele continuar exatamente igual há anos
quando nos encontramos pela primeira vez. Além disso, é nessa hora que eu fico
sabendo que as músicas do Plauto foram registradas por escrito pelo líder do
grupo, o que, sem dúvida, é algo vital para todo e qualquer músico. “Eles são
os que mais se divertem”, disse a minha irmã, se referindo aos músicos. O que me fez pensar o quanto isso também é
válido para o teatro. Creio que, na verdade, para todo e qualquer artista.
Bem, e aos poucos, vários
artistas foram desfilando pelo palco do Renascença em homenagem a Plauto Cruz.
Dizendo palavras carinhosas, de reconhecimento pelo seu talento, pela sua
generosidade, sua genialidade. Vi gente tocando violão de um jeito quase
divino. Não fosse a necessidade de ter que ajustar os instrumentos a cada
apresentação, aquelas vozes e notas pareceriam toques de mágica. Porém, o
trabalho incrível dos assistentes de palco eram registros concretos das
necessidades técnicas que um show com tantos artistas, tantos talentos exige. E
um único holding fazia quase todos os ajustes, demonstrando que entendia de
todos os instrumentos e ainda era capaz de se comunicar com os demais apenas
por sinais. E assim, seguiram-se as horas em que cada artista, por instrução da
produção do espetáculo, foi contando qual o seu vínculo com o homenageado,
alguma história que os ligava, o que tornava tudo mais interessante e não
deixava nenhuma dúvida da importância desse para a música não só do Rio Grande
do Sul, nem do país, mas, simplesmente, da música. Houve mudanças na
programação, estabelecida por Pedrinho Figueiredo. E foram muitas apresentações,
muitas histórias de todos os voluntários que se engajaram nessa ideia provocada
inicialmente por Graça Garcia até chegar a outro músico que também faz parte da
minha lembrança de uma mesma época em que eu começava a ganhar a minha
independência e sair por aí. Foi a vez de Nelson Coelho de Castro que cantou
Cristal 753 e explicou que, quase sem querer, fez a escolha dessa música que
era o seu endereço de uma casa no bairro onde eu moro hoje e onde Plauto havia
estado. Diferente dos demais, confessou que, às vezes, se irritava com o
flautista que atendia a todas as súplicas da plateia para que tocasse alguma
música, “o que ele fazia a cada vez melhor, com uma generosidade que o faz um
baluarte da cultura de Porto Alegre, um patrimônio da cidade”. Nelson encerrou sua
participação dizendo: “Salve Plauto para sempre”.
E de resto foi tudo muito lindo,
muito emocionante, muito bem pensado pelos organizadores e pela Secretaria
Municipal de Cultura, permitindo que Hique Gomez mais uma vez mostrasse o seu
talento ao se apresentar com uma banda formada nos bastidores. Porém, não posso deixar de concordar com um
dos meus poucos amigos músicos, Marcos Ungaretti, que nunca, jamais um artista,
quanto mais no nível de Plauto Cruz, deveria ter que chegar ao ponto de fazer
um show beneficente a si próprio. Enquanto
a cidade e a imprensa discutem a Copa do Mundo de 2014 e as obras dos estádios,
os músicos, em geral, seguem sem espaço para mostrar os seus talentos e sem
condições de manter uma vida digna, principalmente, se o corpo não lhes permite
continuar fazendo aquilo que mais sabem: arte. Nesse espetáculo tão especial,
em tantos sentidos, tive orgulho de ser gaúcha. Tive vergonha de como tratamos
nossos artistas. Queria ter apenas chorado com o choro da flauta de Plauto
Cruz, mas foram lágrimas reais que molharam meu rosto nessa noite.
Helena, fiquei emocionada com tua emoção!
ReplyDeleteCom tua vontade de "proteger" o frágil músico...dele mesmo.
E compartilho de tua vergonha de como tratamos nossos artistas.
Tuas palavras levam meus aplausos.
Obrigada!
Gracias Helena, pelas lindas palavras aqui expressas. Como Amiga Pessoal do Plautinho, a quem devoto o maior carinho e respeito, não pude ficar nos blá, blá, blás e nada ser feito. Sei da sua doença e dos seus Entes Queridos, mais do que ninguém. Foi muito forte essa Corrente do Bem, felizmente. Sei que fizemos a diferença em sua Vida!!! Sua FELICIDADE por poder sair de uma CTI e estar lá, foi tudo de bom, que puderam fazer por Ele. Acolhê-lo com tanto carinho!!! Aqueles momentos em tentar tocar e não conseguir, foram aflitivos bem sei, mas fizeram a diferença para Ele. Foi protestando no retorno ao Hospital de Clínicas e pedindo para que voltassem, pois não podia deixar seus Fãs o esperando. Aqueles momentos, aqueles minutos ali lhes foram preciosos demais!!! Triste para Todos Nós, mas foram TUDO PARA ELE!!! As inverdades espalhadas em torno de seus Amados Familiares, fez com que eu me transformasse na Leoa, protegendo seus Filhotes!!! Lá estou e vejo a dedicação deles, as vicissitudes pelas quais passam, para línguas ferinas espalharem que eles o roubam. Batí-me de coração e alma e sempre o farei, para defendê-los!!! Muita gente tentou minar essa Ação, mas só conseguiram nos fortalecer e muitos que não puderam entrar, pediram por mais outro Espetáculo!!! E em Prol também da Casa do Artista Riograndense, como sugeriu a Querida Sílvia Abreu!!! Bjs e gracias por tudo!!!
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