Não sou
dessas pessoas que se apaixonam pelas palavras, mas “estremeço” tem uma
sonoridade que me agrada e que me atraiu para ver o trabalho da Cia Stravaganza
mesmo mantendo o hábito de não ler nada a respeito para não
estragar a surpresa. Assim, desde o primeiro momento, fiquei em suspensão ao
ouvir cada parte daquele texto curioso, enigmático, profundo. Não demorou muito
para surgir uma sensação de prazer, de alívio, por constatar mais uma vez a força
do teatro em traduzir o que nos angustia, o que está em nosso pensamento, o que
faz parte do nosso dia-a-dia. Porém, não de um jeito mastigado, liquidefeito,
mas instigante e desafiador.
Precisava ser
um grupo como esse para trazer ao palco o texto de Joël Pommerat, esse francês
que descobriu, desde os 12 anos, que era o teatro que lhe interessava. Essa
paixão está em cada palavra. Todas as dúvidas de quem se interessa pela arte,
de quem não deixa a vida passar em vão, de quem quer ir ao fundo de todas as
questões da existência e que volta ao começo, busca as origens, tentando
resgatar um otimismo, uma razão e esbarrando tantas vezes no vazio, no susto,
no medo, mas mantendo ainda assim o humor, me levando a uma disputa entre manter
a atenção no palco e ao que cada cena me provocava.
Dei muitas
risadas nos espetáculos anteriores do Stravaganza. Admirei o trabalho de
Rodrigo Mello quando o vi pela primeira vez e segui apreciando as atuações dos
meus amigos Lauro Ramalho e Sofia Salvatori. Dessa vez, tenho ainda o prazer de
rever Adriane Mottola em cena. De fixar meu olhar em Cassiano Ranzolin que tem
uma energia magnética. De sentir medo do personagem de Duda Cardoso durante
todo o tempo e de me impressionar e divertir com a multiplicidade de Janaina
Pelizzon. Todos expressivos e intensos.
Enquanto os
assistia me perguntava o que era criação do grupo, o que o autor havia definido
e vislumbrei uma semelhança ao pouco que conheço dos textos de Heiner Müller, em
que tudo fica para ser pensado por quem decide encená-lo, sejam os atores, ou o
diretor. Devo dizer que não tenho facilidade em identificar as habilidades desse
último. Não sem conhecer o processo. Não quando ele acerta. Nesse caso, ela:
Camila Bauer. Porém, um amigo tornou isso muito claro ao explicar que, mesmo
que as escolhas das ações, do cenário ou de qualquer outra coisa em cena não
seja da diretora, ela tem que aprovar. Afinal, é o seu nome que vai “assinar”
tudo isso. E em Estremeço existem
momentos muito especiais, audaciosos, mostrando que ainda não vimos tudo que é
possível no teatro. Fernanda Petit dando
seu texto em um microfone no chão é um desses e existem muitos outros. Também
observo que quando não há nada a excluir, quando há uma precisão, isso é mérito
da diretora.
Além disso, ao
verificar que Elcio Rossini assina a cenografia já não me espanta que tenha visto
pernas de aranha no que deveria ser uma cortina, de me surpreender com os
artefatos que traziam e levavam os atores e, embora Naray Pereira seja um nome
novo para mim, não posso deixar de falar do figurino que me parece absolutamente
impecável.
Estremeço prova mais uma vez para mim que arte é
literatura, arte é comunicação, arte é psicanálise e sintetiza isso tudo ali,
naquele palco. Resume todas as discussões filosóficas em
pouco mais de uma hora de uma forma contundente, impactante, mostrando o quanto
o teatro pode revolucionar por fora e por dentro. A sensação de sair do teatro diferente
de quando entrei me garante que nesse mundo tão caótico em que vivemos é a arte
que nos manterá vivos no sentido mais profundo dessa palavra. E por falar
nisso, tem horas (não muitas), em que o português consegue ser mais belo que o
francês. Assim, “Je tremble” passou a ser “Estremeço” cuja palavra soa aos meus
ouvidos de uma forma muito mais intensa causando sensações que só quem viu o
espetáculo pode sentir. Estremecer
significa fazer tremer, abalar, sacudir, causar medo. Esse espetáculo faz tudo
isso e vai além.
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