Saturday, December 24, 2011

A menina que eu fui e seu Pato Donald



Vou plagiar essa ideia que surgiu na Zero Hora hoje de mandar uma carta para o passado pois acho que desencadeia uma reflexão interessante para esta época do ano.  E sem muito preparo já vou avisar a menina que fui um dia que ela vai perder este Pato Donald que está segurando em uma mudança. E esse vai ser só o começo das perdas que ela vai ter que enfrentar até os 49 anos. Assim, a lição mais importante que ela vai ter que tentar aprender é o desapego. Não pelas coisas, que isso ela vai tirar de letra, mas pelas pessoas que vão entrar na vida dela conquistando rapidamente mas que vão desaparecer como em um passe e mágica e sem muita explicação. E isso vai incluir também o irmão que gostava de implicar com ela a fazendo chorar tantas vezes. Quando ele não estiver mais com ela vai deixar uma saudade gigante mas sua ausência vai mostrar que ela é muito mais forte do que pensa e a dar mais valor a cada momento. Quanto aos planos e os sonhos, que só vão aparecer bem depois, eles vão ser todos alterados pela vida que ela vai ter. Nada de vestido branco, nem filhos para substituir as bonecas. Mas muitas viagens, muitas alegrias, muita liberdade para ser o que quer e fazer o que tem vontade.
Seria bom que ela soubesse também que as cobranças do pai são mesmo para o bem dela e não o desamor que ela acha que é e que será uma perda de tempo, que acabará até comprometendo a própria saúde, ficar querendo que tudo seja diferente. Que ela vai se livrar da timidez enfrentando vários desafios e sendo ajudada por muita gente talentosa. Que vai perder muitos amigos ao longo do caminho mas que vai seguir fazendo outras amizades. Que vai conhecer bem mais gente do que podia imaginar. Que depois de esbarrar em tantas situações difíceis e fazer muita força para transformar tudo e todos, vai começar a concentrar-se nas coisas que pode mudar, inclusive em si mesma. E vai encontrar nesse caminho gente como ela que não esconde as emoções. Ao contrário. Que as usa para se aproximar das pessoas. Que aprender a ler e a escrever rapidamente vai ser a coisa mais importante ao longo de toda a vida pois vai ajudá-la a se expressar e aliviar a dor usando o papel e a caneta. Que a arte vai entrar de fato bem mais tarde na vida dela mas que vai ser o que vai dar significado a tudo. E que ela vai se dar conta de que, mesmo que ela não venha a ser correspondente internacional ela sempre vai ter curiosidade sobre os outros e tudo que lhes acontece.
Seria ótimo também se ela se desse conta de que querer as coisas do seu jeito só vai trazer inquietação e ansiedade. Que a vida tem um fluxo próprio e é preciso deixar-se levar, aceitando o que acontece de um jeito mais leve, sem medos. Que mesmo o que possa parecer trágico vai se resolver de alguma forma. Na maioria das vezes, de um jeito completamente diferente do que ela poderia supor. E, sendo assim, sugiro que ela tenha mais fé.
Acho que isso basta até porque não sei se esse olhar meio perdido já não era pelo fato dela saber que acabaria sendo assim e que se não seria como ela poderia imaginar seria incrível e daria uma enorme vontade de viver muito, mesmo sem o pato Donald e tantas outras coisas que, um dia, ela considerou imprescindíveis. 

1 comment:

  1. Publico o comentário de Ursula Krug:

    Helena,

    Nome que sempre quis dar a uma filha, mesmo que não saiba se um dia terei uma...
    Nome que simboliza força e beleza...
    Nome que hoje me endereça um lindo email...
    Me sinto muito contente por saber que os caminhos da vida fizeram com que de alguma forma nos encontrássemos. E que, sendo assim, numa data tão especial como hoje, eu pudesse ser presenteada com uma escrita que aproxima o pensamento do coração, das emoções...
    Tuas palavras me fizeram visitar lembranças, histórias, experiências, lutas, perdas, dores, conquistas, encontros, crescimentos, aprendizados...

    Talvez aquela menina tenha precisado por um tempo do vestido branco e do Pato Donald... Eles são importantes para a gente aprender a sonhar... Mas como diz o poeta, chega o tempo em que precisamos deixar as velhas roupas para trás... Tantas novas roupagens virão... E aprender a caminhar com tantas roupas diferentes, por tantos caminhos diferentes, talvez seja nossa grande arte.
    Quando, pela tua mão, o papel se encontra com a caneta, surge a poesia... E talvez ela só exista para aqueles que - mais que correspondentes internacionais - tem a capacidade transitar pelos sonhos, com a curiosidade de uma criança e o olhar para o futuro... Acho que era para la que tu caminhavas, tão bem acompanhada na foto...
    Talvez seja o olhar perdido que nos permita seguir acreditando e descobrindo novos caminhos, porque quem perde é porque um dia teve. E isto nunca sai de dentro da gente! Os nossos "Pato Donalds" podem ser pedidos nas mudanças talvez somente porque chega um tempo em que eles passam a viver dentro de nós... Como tantas outras coisas e pessoas que perdemos...

    Que bom que compartilhastes comigo um pouco destas personagens, menina e mulher, que te habitam.
    Que a gente possa seguir em frente e até de vez em quando se perder, mas sem nunca perde-las...
    Um beijo muito carinhoso de alguém que também já perdeu coisas e pessoas importantes, de alguém que também precisou aprender a mudar coisas nela própria e na forma como enxerga tantas outras, de alguém que também conheceu muita gente, de alguém que sente saudade, de alguém que procura sempre acreditar, e que, mesmo que às vezes não tenha muita paciência, tenta esperar...
    Que o ano de 2012 nos possibilite mais e mais encontros, da gente com o nosso passado, com os presentes e com nossos futuros,
    Da gente com gente que - assim como tu - resgata o imprescindível da vida, ilustrado naquela foto: o de que é preciso caminhar...
    Boas andanças para nós!

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