Sabendo que o evento da ABRACE (Associação Brasileira de Pesquisa em Artes Cênicas) seria aqui em Porto Alegre não havia dúvidas de que precisava me inscrever. Afinal, ano passado gastei uma boa grana para me fazer presente em São Paulo e ainda contei com a generosidade de uma antiga colega do DAD, Cyntia Muller, que me recebeu com toda a hospitalidade de uma boa gaúcha. Porém, já na fase de elaborar o texto completo, a vida estava me puxando para outros assuntos e tornando difícil não achar que seria bem complicado aproveitar a ocasião. O que manteve o meu incentivo foi a oportunidade de rever os colegas pois dois anos de convivência criaram fortes elos afetivos e mesmo estando na mesma cidade, a gente acaba se vendo muito menos do que gostaria.
O dia da abertura chegou. Chovia e quem me conhece sabe que sempre que possível cancelo minhas atividades nestas ocasiões. Não desta vez. No entanto, entrar no suntuoso prédio do Direito da UFRGS faz a gente esquecer o clima. Esbarrar em rostos sorridentes e gentilezas dos escolhidos para recepcionar os membros da ABRACE também. A abertura com curtos discursos também tornou tudo mais agradável e presidente Marta Isacsson foi muito feliz ao dizer: “É um privilégio ser professor neste momento”. Quanto a Jorge Dubatti, já havia ganho a minha simpatia em Montevideo. Ele é claro, interessante e sem afetação. Citou várias vezes Maurício Kartum, me obrigando a pesquisar sobre este senhor argentino que desde 1973 já escreveu 30 obras teatrais, dirigiu, ganhou prêmios e ocupou diversas funções na Escola de Arte Dramática de Buenos Aires. Enfatizou muito a filosofia do teatro. Segundo ele, esta engloba a teoria, a prática e apresenta os problemas mais abrangentes da artes cênicas. Tentou esclarecer o conceito de teatro que para ele não é suficientemente claro nos dicionários atuais. Buscou Deleuze para dizer que é um acontecimento. E se deu ao luxo de dizer coisas (talvez citando alguém que não anotei) como: “Somente o teatro é teatro. Porque se tudo é teatro, nada é teatro”. O teatro é uma reunião dos corpos. E voltou ao seu tema mais caro que é o do convívio. Não escapou de alguma dose crítica ao dizer que os melhores atores são os políticos, os pastores e comunicadores e, ao contrário de palestrantes que tentam agradar a plateia elogiando o lugar em que estão, brincou dizendo que estes estavam todos no Brasil. Falou muito mais. Falou em tenovívio, em etnocenologia. Demais para mim que me inquieto depois de mais de hora sentada recebendo tantas informações. Desta vez, as perguntas não foram tão extensas quanto em meus últimos eventos mas ainda me pareceram que vinham mais de pessoas que queriam mostrar o que sabiam do que, realmente, entender alguma coisa. Clovis Massa coordenou com segurança este momento que deu a chance a Dubatti de contar algumas situações pessoais engraçadas como ter sido enganado por uma “performance” em um evento e suas experiências com seus filhos, levantando a ideia da Escola de Espectadores, algo no que acredito muito e ainda quero fazer parte. E já no final disse algo que se eu falasse creio que seria vaiada. Porém, sua trajetória conquistou o direito de encerrar dizendo: “O teatro teatra”.
Duas palestras, mesmo com o intervalo do almoço com os colegas, Maria Amélia Gimler, Newton Silva, Betha Medeiros e Daniela Aquino, me cansam. Bem, isso sem dizer, que questões coreográficas não me despertam tanto interesse assim e, em um misto de provocação e curiosidade, anotei a fala de Christine Roquet que dizia que Laban tinha fracassado por não ter encontrado a cor do movimento. Cibele Sastre, certamente, teria coisas a dizer a este respeito.
Em meu GT
Falei que me faltava ânimo para esta empreitada. E só na véspera decidi que apresentaria o meu tema Críticos e criticados: uma relação turbulenta a partir do visual do desenho de um ringue com dois lutadores em seus bancos com as cabeças dos críticos. Um certo trabalho de Photoshop permitiu esta façanha. Os conflitos são tão bizarros que me levaram a esta maneira um tanto cômica de apresentar. Passa por cuspidas no olho, pontapés e agressões verbais que chegam ao desejo de morte dos críticos, entre outras coisas. Queria apresentar isso e ainda ter a chance de debater. Não deu. Em compensação, fiquei sabendo de pesquisas que muito me interessam como de Rodrigo Desider Fischer que analisa o filme Opening Night de John Cassavetes, com um olhar sobre as questões ligadas ao pensamento teatral contemporâneo. Cara esperto. Resolveu desse jeito meu problema de ser mestre em teatro, apaixonada por cinema. Tem um outro trabalho que me interessa muito. Ney Wendell que fala de mediação em teatro no Québec e faz uma ponte com a Bahia. O choque de ver Olívia Camboim dizer que mais de 90% dos professores municipais de Blumenau, responsáveis por 2.400 alunos, nunca foram ao teatro. Como assim? Eles tem um teatro lindo e um festival que reúne gente de todo o país.. Uma tarde muito bem aproveitada, reunindo assuntos tão diversos, apresentados por pessoas com tanta coisa em comum. Além do prazer de ver minha colega e amiga Daniela Aquino que não tem ideia do impacto que causa as pessoas, apresentando seu trabalho.
Com o corpo queixoso da umidade causada por uma chuva ininterrupta deixei o ambiente e retornei ao meu aconchego sabendo que iria perder um divertido momento de confraternização na Casa de Teatro do meu primeiro e eterno mestre Zé Adão Barbosa que considero coautor de tudo que se relaciona ao teatro em minha vida.
Mais um ABRACE
Dia seguinte, perdi a manhã dos GTs abertos que, pelo que ouvi, foi um dos melhores momentos do evento. Cheguei para ver a mesa-redonda Inter-GTs onde a maioria dos coordenadores não poupou elogios a organização, à Porto Alegre, aos gaúchos. Gilberto Icle fez rir dizendo que era completamente fresco na função de coordenador, mas a queixa geral era que faltava espaço para a discussão. Vera Collaço também tira risos dizendo que era o primeiro Congresso em que ela se sentia em casa e que a diretoria parecia não ter feito esforço algum. Narcíso Telles é mais contundente na reivindicação de novos formatos do evento. Lá pelas tantas, naquela sala de distribuição tão formal e apresentações que incluíam títulos de doutores, passa uma mulher embalada em plástico e com umas setas indicando diferentes direções. É...melhor não esquecer que o tema ali é arte. Se tem alguém que parece nunca esquecer disso é Armindo Bião, diretor, ator, com formação também na França, que sempre que pede a palavra mescla o seu conhecimento profundo sobre teatro e um jeito “brejeiro” e divertido, misturando importância de tudo que está sendo discutido com uma profunda consciência de que a vida é muito mais e cunhando expressões como “o abismo do frescor” para se referir ao desafio de um novo formato para os encontros dos GTs. E se tinha perdido o começo da mesa-redonda, coordenada por Walter Torres, assisti satisfeita a forma como ele a encerrou dando fim a uma “discussão” que parecia interminável e sem rumo.
Lívio Amaral, diretor de avaliação da CAPES diz que é muito bom poder conversar com a ponta e logo depois cita Mario Quintana, buscando a empatia da plateia. “Eu estava dormindo e me acordaram. E me encontrei assim num mundo estranho e louco. E quando começava a compreendê-lo um pouco, já eram horas de dormir de novo.” Ele mostra muitos gráficos, refere-se a muitos números. “O orçamento da CAPES cresce todos os anos. Para 2011 serão mais de três bilhões de reais. 67% de bolsas, 12% de fomentos, 6% para o Portal de Periódicos e 5% para o pessoal e gestão.” Falo para o professor Gil e para o meu colega Marcio Silveira que estão sentados atrás de mim que bem que o meu pai havia dito que vivemos em um mundo matemático. Destaco a participação de José Carrera, que a cada evento me conquista mais pela sua maneira lúcida, coerente e contundente de se manifestar, seja em seu próprio nome ou representando um grupo. Ele trouxe a questão de que o diretor havia sido categórico que o QUALIS não está sendo usado para o que a CAPES o criou, porém, porque esta não revia esta finalidade já que, na prática, muitos programas faziam isso. Amaral citou Fernando Pessoa: “Estou hoje perplexo como quem pensou e achou e esqueceu. Estou hoje dividido entre a lealdade que devo à Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora. E a sensação de que tudo é sonho como coisa real por dentro.” Não respondeu. Disse que faria isso depois. Eram quase 22h quando decidi ir para o Ocidente. Um lugar ao qual não fui tantas vezes mas sempre que fui me diverti muito e do qual tenho excelentes lembranças. A ideia era ficar pouco porque, além das atividades do evento, havia passado por uma aula de natação e outra de ioga. Estava no banheiro e pensei que devia estar meio bêbada pois ouvia as pessoas falando francês. Sai e esbarrei com Susi Weber. Quando comentei o que havia pensado, ela e suas amigas me responderam: “é o curso de francês no banheiro, nível 1”. Rimos. E assim, o encontro com antigos amigos, os novos contatos, a música, o clima divertido e afetivo do lugar foi me prendendo até as 3h da madrugada. Ainda pude ver Laura Backes sendo erguida por algumas pessoas no bar, em uma mescla de corpos que me lembravam o filme Hair. Nada mal para começar as comemorações da independência!
PS: Havia escrito José Carrera (o tenor) ao invés de André Carreira. A atenta Mirna Spritzer me corrigiu antes do texto parar aqui. Não tenho dúvidas do quanto este cuidado colaborou para o sucesso deste evento! A doutora prova que é guia Buena Onda também em Porto Alegre.
O dia da abertura chegou. Chovia e quem me conhece sabe que sempre que possível cancelo minhas atividades nestas ocasiões. Não desta vez. No entanto, entrar no suntuoso prédio do Direito da UFRGS faz a gente esquecer o clima. Esbarrar em rostos sorridentes e gentilezas dos escolhidos para recepcionar os membros da ABRACE também. A abertura com curtos discursos também tornou tudo mais agradável e presidente Marta Isacsson foi muito feliz ao dizer: “É um privilégio ser professor neste momento”. Quanto a Jorge Dubatti, já havia ganho a minha simpatia em Montevideo. Ele é claro, interessante e sem afetação. Citou várias vezes Maurício Kartum, me obrigando a pesquisar sobre este senhor argentino que desde 1973 já escreveu 30 obras teatrais, dirigiu, ganhou prêmios e ocupou diversas funções na Escola de Arte Dramática de Buenos Aires. Enfatizou muito a filosofia do teatro. Segundo ele, esta engloba a teoria, a prática e apresenta os problemas mais abrangentes da artes cênicas. Tentou esclarecer o conceito de teatro que para ele não é suficientemente claro nos dicionários atuais. Buscou Deleuze para dizer que é um acontecimento. E se deu ao luxo de dizer coisas (talvez citando alguém que não anotei) como: “Somente o teatro é teatro. Porque se tudo é teatro, nada é teatro”. O teatro é uma reunião dos corpos. E voltou ao seu tema mais caro que é o do convívio. Não escapou de alguma dose crítica ao dizer que os melhores atores são os políticos, os pastores e comunicadores e, ao contrário de palestrantes que tentam agradar a plateia elogiando o lugar em que estão, brincou dizendo que estes estavam todos no Brasil. Falou muito mais. Falou em tenovívio, em etnocenologia. Demais para mim que me inquieto depois de mais de hora sentada recebendo tantas informações. Desta vez, as perguntas não foram tão extensas quanto em meus últimos eventos mas ainda me pareceram que vinham mais de pessoas que queriam mostrar o que sabiam do que, realmente, entender alguma coisa. Clovis Massa coordenou com segurança este momento que deu a chance a Dubatti de contar algumas situações pessoais engraçadas como ter sido enganado por uma “performance” em um evento e suas experiências com seus filhos, levantando a ideia da Escola de Espectadores, algo no que acredito muito e ainda quero fazer parte. E já no final disse algo que se eu falasse creio que seria vaiada. Porém, sua trajetória conquistou o direito de encerrar dizendo: “O teatro teatra”.
Duas palestras, mesmo com o intervalo do almoço com os colegas, Maria Amélia Gimler, Newton Silva, Betha Medeiros e Daniela Aquino, me cansam. Bem, isso sem dizer, que questões coreográficas não me despertam tanto interesse assim e, em um misto de provocação e curiosidade, anotei a fala de Christine Roquet que dizia que Laban tinha fracassado por não ter encontrado a cor do movimento. Cibele Sastre, certamente, teria coisas a dizer a este respeito.
Em meu GT
Falei que me faltava ânimo para esta empreitada. E só na véspera decidi que apresentaria o meu tema Críticos e criticados: uma relação turbulenta a partir do visual do desenho de um ringue com dois lutadores em seus bancos com as cabeças dos críticos. Um certo trabalho de Photoshop permitiu esta façanha. Os conflitos são tão bizarros que me levaram a esta maneira um tanto cômica de apresentar. Passa por cuspidas no olho, pontapés e agressões verbais que chegam ao desejo de morte dos críticos, entre outras coisas. Queria apresentar isso e ainda ter a chance de debater. Não deu. Em compensação, fiquei sabendo de pesquisas que muito me interessam como de Rodrigo Desider Fischer que analisa o filme Opening Night de John Cassavetes, com um olhar sobre as questões ligadas ao pensamento teatral contemporâneo. Cara esperto. Resolveu desse jeito meu problema de ser mestre em teatro, apaixonada por cinema. Tem um outro trabalho que me interessa muito. Ney Wendell que fala de mediação em teatro no Québec e faz uma ponte com a Bahia. O choque de ver Olívia Camboim dizer que mais de 90% dos professores municipais de Blumenau, responsáveis por 2.400 alunos, nunca foram ao teatro. Como assim? Eles tem um teatro lindo e um festival que reúne gente de todo o país.. Uma tarde muito bem aproveitada, reunindo assuntos tão diversos, apresentados por pessoas com tanta coisa em comum. Além do prazer de ver minha colega e amiga Daniela Aquino que não tem ideia do impacto que causa as pessoas, apresentando seu trabalho.
Com o corpo queixoso da umidade causada por uma chuva ininterrupta deixei o ambiente e retornei ao meu aconchego sabendo que iria perder um divertido momento de confraternização na Casa de Teatro do meu primeiro e eterno mestre Zé Adão Barbosa que considero coautor de tudo que se relaciona ao teatro em minha vida.
Mais um ABRACE
Dia seguinte, perdi a manhã dos GTs abertos que, pelo que ouvi, foi um dos melhores momentos do evento. Cheguei para ver a mesa-redonda Inter-GTs onde a maioria dos coordenadores não poupou elogios a organização, à Porto Alegre, aos gaúchos. Gilberto Icle fez rir dizendo que era completamente fresco na função de coordenador, mas a queixa geral era que faltava espaço para a discussão. Vera Collaço também tira risos dizendo que era o primeiro Congresso em que ela se sentia em casa e que a diretoria parecia não ter feito esforço algum. Narcíso Telles é mais contundente na reivindicação de novos formatos do evento. Lá pelas tantas, naquela sala de distribuição tão formal e apresentações que incluíam títulos de doutores, passa uma mulher embalada em plástico e com umas setas indicando diferentes direções. É...melhor não esquecer que o tema ali é arte. Se tem alguém que parece nunca esquecer disso é Armindo Bião, diretor, ator, com formação também na França, que sempre que pede a palavra mescla o seu conhecimento profundo sobre teatro e um jeito “brejeiro” e divertido, misturando importância de tudo que está sendo discutido com uma profunda consciência de que a vida é muito mais e cunhando expressões como “o abismo do frescor” para se referir ao desafio de um novo formato para os encontros dos GTs. E se tinha perdido o começo da mesa-redonda, coordenada por Walter Torres, assisti satisfeita a forma como ele a encerrou dando fim a uma “discussão” que parecia interminável e sem rumo.
Lívio Amaral, diretor de avaliação da CAPES diz que é muito bom poder conversar com a ponta e logo depois cita Mario Quintana, buscando a empatia da plateia. “Eu estava dormindo e me acordaram. E me encontrei assim num mundo estranho e louco. E quando começava a compreendê-lo um pouco, já eram horas de dormir de novo.” Ele mostra muitos gráficos, refere-se a muitos números. “O orçamento da CAPES cresce todos os anos. Para 2011 serão mais de três bilhões de reais. 67% de bolsas, 12% de fomentos, 6% para o Portal de Periódicos e 5% para o pessoal e gestão.” Falo para o professor Gil e para o meu colega Marcio Silveira que estão sentados atrás de mim que bem que o meu pai havia dito que vivemos em um mundo matemático. Destaco a participação de José Carrera, que a cada evento me conquista mais pela sua maneira lúcida, coerente e contundente de se manifestar, seja em seu próprio nome ou representando um grupo. Ele trouxe a questão de que o diretor havia sido categórico que o QUALIS não está sendo usado para o que a CAPES o criou, porém, porque esta não revia esta finalidade já que, na prática, muitos programas faziam isso. Amaral citou Fernando Pessoa: “Estou hoje perplexo como quem pensou e achou e esqueceu. Estou hoje dividido entre a lealdade que devo à Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora. E a sensação de que tudo é sonho como coisa real por dentro.” Não respondeu. Disse que faria isso depois. Eram quase 22h quando decidi ir para o Ocidente. Um lugar ao qual não fui tantas vezes mas sempre que fui me diverti muito e do qual tenho excelentes lembranças. A ideia era ficar pouco porque, além das atividades do evento, havia passado por uma aula de natação e outra de ioga. Estava no banheiro e pensei que devia estar meio bêbada pois ouvia as pessoas falando francês. Sai e esbarrei com Susi Weber. Quando comentei o que havia pensado, ela e suas amigas me responderam: “é o curso de francês no banheiro, nível 1”. Rimos. E assim, o encontro com antigos amigos, os novos contatos, a música, o clima divertido e afetivo do lugar foi me prendendo até as 3h da madrugada. Ainda pude ver Laura Backes sendo erguida por algumas pessoas no bar, em uma mescla de corpos que me lembravam o filme Hair. Nada mal para começar as comemorações da independência!
PS: Havia escrito José Carrera (o tenor) ao invés de André Carreira. A atenta Mirna Spritzer me corrigiu antes do texto parar aqui. Não tenho dúvidas do quanto este cuidado colaborou para o sucesso deste evento! A doutora prova que é guia Buena Onda também em Porto Alegre.
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