Friday, December 25, 2009

Mario Quintana e eu






Não lembro quando li pela primeira vez Mario Quintana. Mas sei que Ricardo Silvestrin, outro poeta, teve muito a ver com isso e que bastou ler o primeiro poema para me apaixonar. Adorava o jeito dele escrever. Decorava. Guardava para mostrar para os amigos. Aquela ironia cortante contrastando com um jeito ingênuo, inteligente e divertido. Uma palavra que não usamos muito atualmente: lucidez. Por mais labiríntico que fosse o seu pensamento era ao mesmo tempo de uma clareza impressionante!
Em quase meio século de vida (a minha) ele é um dos meus dois ídolos. O outro, para quem ainda não sabe, é o Caetano. Sim. Tenho uma queda pelos poetas. Uma vez, fiquei lá de boca aberta, numa fila, espiando Mario Quintana. Aguardando minha vez de pegar um autógrafo. Claro que quando estava bem na sua frente, tudo que disse foi o meu nome e só porque ele me pediu. Quintana veio fazendo parte da minha vida, me constituindo enquanto pessoa. Aguçando minha sensibilidade. Nas aulas de teatro, era comum eu recorrer aos seus versos para as improvisações. Também, seu texto sozinho já trazia dramaticidade. Um dos que lembro ter usado foi:


Da vez primeira em que me assassinaram
Perdi um jeito de sorrir que eu tinha...
Depois, a cada vez que me mataram,
Foram levando qualquer coisa minha...

Hoje, dos meus cadáveres eu sou
O mais desnudo, o que não tem mais nada...
Arde um toco de vela amarelada...
Como único bem que me ficou!

Vinde, corvos, chacais, ladrões da estrada!
Pois dessa m
ão avaramente adunca,
Não haverão de arrancar a luz
sagrada!

Aves da Noite! Asas do Horror! Voejai!
Que a luz, trêmula e triste como um ai,
A luz de um morto não se apaga nunca!



Há anos atrás, resolvi que comemoraria meu aniversário no lugar onde ele havia morado (antigo Majestic hoje Casa de Cultura Mário Quintana) e pedi para os convidados decorarem algum de seus textos. Meu irmão (que já não está entre nós) foi o único que atendeu a meu pedido e declamou:


O tempo

A vida é o dever que nós trouxemos para fazer em casa.
 
Quando se vê, já são seis horas!
 
Quando de vê, já é sexta-feira!
 
Quando se vê, já é natal...
 
Quando se vê, já terminou o ano...
 
Quando se vê perdemos o amor da nossa vida.
 
Quando se vê passaram 50 anos!
 
Agora é tarde demais para ser reprovado...
 
Se me fosse dado um dia, outra oportunidade, eu nem olhava o relógio.
 
Seguiria sempre em frente e iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas...
 
Seguraria o amor que está a minha frente e diria que eu o amo...
 
E tem mais: não deixe de fazer algo de que gosta devido à falta de tempo.
 
Não deixe de ter pessoas ao seu lado por puro medo de ser feliz.
 
A única falta que terá será a desse tempo que, infelizmente, nunca mais voltará.


Fiquei impressionada com sua memória e com sua apropriação de cada palavra, mas devia entender que era um poeta falando de outro poeta, pois, meu irmão também passou a vida escrevendo seus versos. Naquele dia, este texto já fez sentido e agora ainda mais...E foi por isso que no dia em que ele partiu, eu fiz questão de me despedir com um poema deste importante autor gaúcho. Lembro que um primo meu me perguntou se eu conseguiria ler e eu garanti que sim. Lembro que a emoção era enorme mas que diante de uma multidão, lia alto e firme, sabendo que esta era uma boa maneira de prestar minha homenagem. Agora, porém, não consigo trazer à memória o nome do poema.
Acabo de ler em um blog uma entrevista de Lau Siqueira, em 1987, publicada no Jornal O Norte sua resposta a pergunta de por que ele não se casou. Claro que a resposta foi típica deste poeta que me encanta: “Como é que vou saber porque é que não casei. Deve ter sido por causa dos astros, né? Vamos culpar os astros (risos).” E foi assim que me dei conta de que ao menos isso eu e Quintana temos em comum. Também culpo os astros pela solteirice. Ah, e tem também nossa paixão pelas palavras. Aliás, o que parece não ter faltado em nossas vidas foram paixões. 

1 comment:

  1. Encontrei seu blog navegando atrás de ventos do poeta Mário e encontrei vc comentando a entrevista que fiz com Mário em 87. Gostei do que li! Um beijo grande e bom 2010. Conheça meus blogs, Poesia Sim e Pele Sem Pele, onde escrevo sobre os PoETs, grupo do seu amigo Silvestrin.

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