Não, eu não o conheci. Nem mesmo
morávamos na mesma cidade. Mas, acho um privilégio ter sido contemporânea desse
artista brasileiro. E o melhor comentário que posso fazer sobre o Cazuza – Pro
dia Nascer feliz, o musical é que ele me fez sentir uma saudade ... Li essa
semana que a vida de uma pessoa deve ser avaliada pelas lembranças que deixa.
Nesse caso, nem preciso comentar o que significa. Acho que deve ser
extremamente complicado para um ator representar o papel de alguém que causou
um impacto tão profundo. Creio, no entanto, que todos que viram o espetáculo
ficaram impressionados com a semelhança (não física) de Emílio Dantas com o
original. E, embora a gente sempre escute que, ao interpretar uma pessoa real,
não se deve buscar ficar igual a ela, é uma delícia poder rever os trejeitos, o
jeito de falar, andar, cantar de alguém tão singular. Entre os outros atores,
destaco Susana Ribeiro no papel de Lucinha Araújo, mãe do Cazuza. Assim como
Marieta Severo no filme, a atriz soube levar à cena esse rigor de uma educação
tradicional associada a um amor infinito e a aguda percepção de que estava
diante de um ser que não lhe pertencia. O trabalho do ator Marcelo Varzea no
papel de seu pai também sublinha as cenas com a dramaticidade que nos leva a
sentir os desejos e o amor de todo pai. Severo em relação às atitudes
inconsequentes do filho e amoroso diante das suas fragilidades. Sua atuação é
sutil, mas dá todo o apoio para o protagonista. Fabiano Medeiros (Ney
Matogrosso e Guto Graça Mello), também se destaca no personagem de Ney
Matogrosso, principalmente, no seu solo apresentando uma das músicas do Cazuza gravadas
pelo cantor. Os demais atores sustentam bem as cenas e mesmo que alguns façam
caricaturas de gente importante como o Caetano, isso torna a peça divertida,
mas é o protagonista que brilha. E, como nem tudo é perfeito, uma das atrizes
tem uma voz anasalada, que eu odeio. Nem me importo em saber se quem ela
representa possui a mesma voz. Não faço a menor questão de ver alguém assim
cantando em cena.
Não tenho dúvidas de que fazer um
musical é difícil. São muitos elementos. Exige uma integração de todos os atores,
assim como competência vocal. A direção de João Fonseca traz uma dinâmica
agradável e intercala trechos da vida de Cazuza com várias canções e, atenta ao
enredo, às vezes, deixo de perceber a força da música. Ao mesmo tempo, fica a
impressão de que sem elas, a parte “dramática” não se sustentaria. Ficamos
diante de um show que não é do Cazuza, mas que nos remete às suas
apresentações. Suas letras, suas músicas são de uma riqueza... Podemos ter nossas
preferências, mas não há como não gostar de alguma. Não tinha como não me
emocionar. Várias canções me levam para o passado, mexem com emoções que tanto
me questionaram. Eu, criada por uma família aparentemente tradicional, jogada
naquele universo da contravenção de Cazuza, da sua irreverência, do seu desejo
incontrolável de liberdade. E enquanto no palco a energia cresce, acho
interessante observar a plateia nos musicais. Ninguém se mexe. Creio que
ninguém canta também. Tenho que parar para me dar conta de que isso até faz
sentido, pois não é um show. Mas, era certo que estavam gostando. Aplaudiam
cada número em cena aberta.
O figurino se ajustava
perfeitamente a cada personagem, da forma bem realista. Já o cenário, explorava
mais uma vez as plataformas elevadas. Não chegava a atrapalhar, mas também
pouco acrescentava.
Vemos no palco, a mesma mudança
que vimos na vida. A doença ganhando terreno na vida de Cazuza, mas sem tirar o
seu humor, a sua irreverência. E tudo vai ficando mais triste, mais pesado e eu
penso: como eles vão conseguir finalizar isso sem resumir Cazuza à Aids? E eles
conseguem. Trazem todos os atores ao palco, junto com o Cazuza do início, o Cazuza
que ficou, que canta para nós até hoje. Falam também da Sociedade criada por
sua mãe e tantas crianças fazendo com que Cazuza seja muito além de um cantor
que deixa uma obra musical, mas que ainda hoje transforma a vida desses seres
que representam o futuro.
Como jornalista, gosto da inclusão
da cena da entrevista com Zeca Camargo quando ele revela, finalmente, que tem a
Síndrome. Aliás, o texto de Aloísio de Abreu soube sintetizar o espírito, o
senso de humor de Cazuza, o que leva a plateia a rir de várias cenas. Já a
direção musical de Daniel Rocha também ganha reconhecimento do público pelos
aplausos após cada número. Não posso esquecer de mencionar a banda que os
acompanha. Impecável.
No fim, todos levantam, gritam,
aplaudem. Os atores agradecem a forma como o teatro os recebeu. Infelizmente,
eu não posso fazer a mesma coisa. Quando a Fernanda Petit comentou sobre
Cazuza, o musical, a minha verba era curta. Assim comprei um ingresso para
Galeria Alta à direita. É claro que não esperava uma visão perfeita do palco,
mas acabei sentada do lado de um canhão de luz e por mais afeto que tenha ao
meu professor de iluminação Nilton Filho não tinha nenhuma intenção de sentir
um calor na orelha cada vez que o técnico tivesse que jogar a luz no palco. Ele
mesmo me advertiu que eu não poderia me mexer, pois atrapalharia. Imagina eu
ofuscando o Cazuza? Assim, no intervalo, vendo cadeiras vazias, resolvi mudar
de lugar. Falei com uma das moças responsáveis e ela disse que teríamos que
esperar recomeçar para ver quais cadeiras sobrariam. A estratégia não parecia
dar certo já que outras pessoas também buscavam melhores posições. Tentei
sentar em um lugar que me parecia vago. Não era. Ao tentar sair, uma moça me
disse que aquele não era mesmo o meu lugar. E eu pensei: nem o dela. Afinal,
quem vai assistir Cazuza com uma mentalidade mesquinha ou grosseira,
definitivamente não está à altura desse grande poeta. Assisti mais de hora do
espetáculo em pé. Mas, sabia que me distrairia o suficiente para esquecer o
desconforto.
Concordo, totalmente, com sua
mãe: Cazuza era um sol e chorei por ele, por mim, por nós. Afinal, ele se foi
em 1990 e o que mudou de lá para cá? No Brasil, que precisa mostrar sua cara,
quase nada. Felizmente, tivemos alguns avanços contra a Aids e todo o
preconceito que havia em relação a ela. Embora Cazuza tenha adiado contar o que tinha
para evitar, principalmente, a pena das pessoas, é impossível não pensar o quão
trágico foi o que aconteceu com ele. Ou conosco. Afinal, que falta nos faz um
artista com o poder de dizer tanto através da poesia. De ser absolutamente
contundente, sem chegar a agredir. Não tem como não pensar na perda que sua
partida significou para a música. Quantas letras incríveis ele poderia ter
feito? Músicas que falassem de amor, de indignação, de todos os conflitos da alma.
Não. Eu não vejo ninguém ocupar esse espaço e sinto as lágrimas escorrerem ao
pensar que vida breve... Que vida intensa... Que vida imensa!
http://youtu.be/IOSwTcUIreU
http://youtu.be/IOSwTcUIreU