Tuesday, November 13, 2012

Um por todos e todos por Plauto Cruz. E quem pela arte brasileira?


Foi pelo Facebook que fiquei sabendo que Plauto Cruz precisava de ajuda e não estava bem de saúde. Foi também pela rede social que recebi a informação de que os artistas haviam se mobilizado para fazer um show cuja arrecadação seria destinada a ele.  As duas coisas me sensibilizaram de um modo especial.  Afinal, mesmo não sendo tão musical quanto eu gostaria, esse músico entrou em minha vida há uns 30 anos, quando Ricardo Silvestrin me informou sobre suas apresentações no Vinha d’alho, cujo nome só identifiquei quando citado hoje no show.
No programa, 30 músicas previstas. Alguns nomes que eu conhecia muito bem, outros nem tanto. A plateia lotada. Confesso que os primeiros quatro nomes eu não conhecia. Já as músicas... Em 3º lugar, Darcy Alves cantou “Esses moços” e mesmo esquecendo em alguns momentos parte da letra, sua voz e sua interpretação, receberam fortes aplausos. De mim, em pé. Tem sido fácil me emocionar ultimamente.
Cristiano Quevedo cativou a plateia com o seu refrão “Eu te espero, meu coração, vem dividir comigo o chimarrão”. Logo em seguida, Renato Borguetti, mesmo dizendo que não era muito de falar, conta que teve o prazer de dividir o espaço muitas vezes com o homenageado na Cia de Sanduíche, já que morava em frente. No palco, ele mistura piano, violão, flauta, gaita e parece se divertir. Faz um verdadeiro diálogo com as notas, o que parece explicar porque ele não é apenas mais um gaitista. O Clube do Choro também não faz feio e tudo parecia bem até Plauto Cruz aparecer no palco.
Em uma cadeira de rodas, surgia o homenageado, visivelmente debilitado. Já vi minha irmã, que foi ao show comigo, em uma cadeira de rodas depois de ter sido atropelada e convivi com meu pai debilitado por uma doença cardíaca, mas ali o Plauto era o foco. E nem Claudio Britto (um dos apresentadores além de Tânia Carvalho e Juarez Fonseca), nem os aplausos, nem o pessoal da emergência de prontidão, conseguiu minimizar a agonia de vê-lo tão de perto tentando ajustar o microfone ou tocar sua própria flauta. No início, todos apenas aguardavam enquanto ele dizia: “surgiram alguns imprevistos, mas não é nada”. Mas não demorou para que suas tentativas se mostrassem totalmente improdutivas.  Enquanto isso, as pessoas comuns e a imprensa faziam fotos e filmavam. Por alguns instantes me vi a favor da censura. Qual a necessidade daqueles registros?  Doía em mim as tentativas de Plauto de tentar se comunicar ou soprar a flauta.  Minha vontade era subir no palco e protegê-lo, segurar a sua mão, passar a mão na sua cabeça. Onde estavam, afinal, seus amigos? Ninguém podia tentar ao menos ouvi-lo? Só posso imaginar que ele fizera questão de estar ali e que aqueles que lhe são mais próximos sabiam o quanto era importante deixá-lo tentar fazer o que pretendia. Finalmente, Britto tomou a atitude de pedir palmas e alguém, que acredito ser da sua família, pouco depois, recolhia a sua flauta. Finalmente, os paramédicos o retiraram do palco. Ainda ouvimos Plauto dizer: “não era isso que eu tinha planejado”. Ele argumentara que a flauta não estava funcionando, que o microfone não estava bom, mas sua fragilidade parecia a explicação para tudo, tivesse ele ou não razão já que tantos outros músicos reclamariam de algo parecido depois.
Creio que só consegui começar mesmo a me recompor quando Rafael Ferraz disse que Plauto havia mostrado que a musicalidade ainda existia em seu coração que, segundo ele, aliás, é onde aparece pela primeira vez em qualquer músico. Até ver e ouvir Ivone Pacheco, minha cabeça ainda fervilhava com essas imagens. Depois, Lucio Yanel apresentou  El Condor Pasa não sem antes dizer que, durante os 26 anos nos quais morou em Porto Alegre, esteve pela noite próximo de Plautinho, como o chamavam.  E o clima de celebração foi ressurgindo com a interpretação de Noites Cariocas, do grupo liderado por Luiz Machado, com Feijão no pandeiro. O destaque para esse último vem por conta do fato de que eu o conheço. Já quase fizemos um trabalho juntos e sei da sua ligação profunda com a música e seu jeito divertido, o que deve justificar ele continuar exatamente igual há anos quando nos encontramos pela primeira vez. Além disso, é nessa hora que eu fico sabendo que as músicas do Plauto foram registradas por escrito pelo líder do grupo, o que, sem dúvida, é algo vital para todo e qualquer músico. “Eles são os que mais se divertem”, disse a minha irmã, se referindo aos músicos.  O que me fez pensar o quanto isso também é válido para o teatro. Creio que, na verdade, para todo e qualquer artista. 
Bem, e aos poucos, vários artistas foram desfilando pelo palco do Renascença em homenagem a Plauto Cruz. Dizendo palavras carinhosas, de reconhecimento pelo seu talento, pela sua generosidade, sua genialidade. Vi gente tocando violão de um jeito quase divino. Não fosse a necessidade de ter que ajustar os instrumentos a cada apresentação, aquelas vozes e notas pareceriam toques de mágica. Porém, o trabalho incrível dos assistentes de palco eram registros concretos das necessidades técnicas que um show com tantos artistas, tantos talentos exige. E um único holding fazia quase todos os ajustes, demonstrando que entendia de todos os instrumentos e ainda era capaz de se comunicar com os demais apenas por sinais. E assim, seguiram-se as horas em que cada artista, por instrução da produção do espetáculo, foi contando qual o seu vínculo com o homenageado, alguma história que os ligava, o que tornava tudo mais interessante e não deixava nenhuma dúvida da importância desse para a música não só do Rio Grande do Sul, nem do país, mas, simplesmente, da música. Houve mudanças na programação, estabelecida por Pedrinho Figueiredo. E foram muitas apresentações, muitas histórias de todos os voluntários que se engajaram nessa ideia provocada inicialmente por Graça Garcia até chegar a outro músico que também faz parte da minha lembrança de uma mesma época em que eu começava a ganhar a minha independência e sair por aí. Foi a vez de Nelson Coelho de Castro que cantou Cristal 753 e explicou que, quase sem querer, fez a escolha dessa música que era o seu endereço de uma casa no bairro onde eu moro hoje e onde Plauto havia estado. Diferente dos demais, confessou que, às vezes, se irritava com o flautista que atendia a todas as súplicas da plateia para que tocasse alguma música, “o que ele fazia a cada vez melhor, com uma generosidade que o faz um baluarte da cultura de Porto Alegre, um patrimônio da cidade”. Nelson encerrou sua participação dizendo: “Salve Plauto para sempre”.
E de resto foi tudo muito lindo, muito emocionante, muito bem pensado pelos organizadores e pela Secretaria Municipal de Cultura, permitindo que Hique Gomez mais uma vez mostrasse o seu talento ao se apresentar com uma banda formada nos bastidores.  Porém, não posso deixar de concordar com um dos meus poucos amigos músicos, Marcos Ungaretti, que nunca, jamais um artista, quanto mais no nível de Plauto Cruz, deveria ter que chegar ao ponto de fazer um show beneficente a si próprio.  Enquanto a cidade e a imprensa discutem a Copa do Mundo de 2014 e as obras dos estádios, os músicos, em geral, seguem sem espaço para mostrar os seus talentos e sem condições de manter uma vida digna, principalmente, se o corpo não lhes permite continuar fazendo aquilo que mais sabem: arte. Nesse espetáculo tão especial, em tantos sentidos, tive orgulho de ser gaúcha. Tive vergonha de como tratamos nossos artistas. Queria ter apenas chorado com o choro da flauta de Plauto Cruz, mas foram lágrimas reais que molharam meu rosto nessa noite.

2 comments:

  1. Helena, fiquei emocionada com tua emoção!
    Com tua vontade de "proteger" o frágil músico...dele mesmo.
    E compartilho de tua vergonha de como tratamos nossos artistas.
    Tuas palavras levam meus aplausos.
    Obrigada!

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  2. Gracias Helena, pelas lindas palavras aqui expressas. Como Amiga Pessoal do Plautinho, a quem devoto o maior carinho e respeito, não pude ficar nos blá, blá, blás e nada ser feito. Sei da sua doença e dos seus Entes Queridos, mais do que ninguém. Foi muito forte essa Corrente do Bem, felizmente. Sei que fizemos a diferença em sua Vida!!! Sua FELICIDADE por poder sair de uma CTI e estar lá, foi tudo de bom, que puderam fazer por Ele. Acolhê-lo com tanto carinho!!! Aqueles momentos em tentar tocar e não conseguir, foram aflitivos bem sei, mas fizeram a diferença para Ele. Foi protestando no retorno ao Hospital de Clínicas e pedindo para que voltassem, pois não podia deixar seus Fãs o esperando. Aqueles momentos, aqueles minutos ali lhes foram preciosos demais!!! Triste para Todos Nós, mas foram TUDO PARA ELE!!! As inverdades espalhadas em torno de seus Amados Familiares, fez com que eu me transformasse na Leoa, protegendo seus Filhotes!!! Lá estou e vejo a dedicação deles, as vicissitudes pelas quais passam, para línguas ferinas espalharem que eles o roubam. Batí-me de coração e alma e sempre o farei, para defendê-los!!! Muita gente tentou minar essa Ação, mas só conseguiram nos fortalecer e muitos que não puderam entrar, pediram por mais outro Espetáculo!!! E em Prol também da Casa do Artista Riograndense, como sugeriu a Querida Sílvia Abreu!!! Bjs e gracias por tudo!!!

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