Monday, August 27, 2012

Sem tempo ruim para bom teatro



Domingo, de manhã, chovendo. Vou ao teatro. Por que? Porque no palco vão estar meus amigos apresentando Fábulas em 4 tempos ou o fabuloso La Fontaine. O espetáculo do Grupo Farsa e Nossa Trupe é dirigido por Marcos Chaves que me convidou para traduzir um filme sobre esse escritor e me puxou para dentro do universo desse francês que escreveu mais de 200 fábulas e desafiou o rei Luis XIV.
Sou a primeira a chegar. Passa pela minha cabeça que, talvez, nem haja espetáculo. Em poucos minutos, porém, as pessoas vão entrando, as crianças... Logo em seguida, aparece Gilberto Fonseca, meu colega de mestrado, que tem uma ligação profunda com o grupo e que, também, ainda não tinha conseguido vê-los. Aliás, entrar no teatro de Arena me faz concordar totalmente com ele: é um espaço que deveria ser mais bem aproveitado. É um local agradável, central e que permite um contato mais próximo com o público.
Não demora o espetáculo começa. Os atores conversam com o público como se ainda não estivessem encenando. Já de cara sou seduzida pela energia dos atores em cena. Plinio Marcos, Ariane Guerra, Lisiane Medeiros, Tefa Polidoro estão à vontade, inteiros, mas não relaxados, quer dizer, eles mantêm as marcações dos movimentos, das falas, gestos, tudo no que eu só posso chamar de capricho e que reflete a mão desse novo diretor. Como plateia me sinto respeitada ao ver eles se transformarem em burro, pomba, leão, raposa, etc sem titubear, sem medo do ridículo. Ao contrário, precisos, convincentes. Esse mesmo cuidado aparece em toda a produção gráfica do espetáculo: programa, cartazes, desenhos que estão à venda no próprio teatro, o que não deixa de ser uma homenagem a La Fontaine que sempre desenhou suas fábulas.
Eu sabia que eles haviam ensaiado várias fábulas e que apenas algumas seriam sorteadas e encenadas, mas a ideia da roleta da sorte para fazer a escolha acrescenta ainda mais criatividade a tudo que já percebemos. O figurino, os elementos de cena, os acessórios são, sem dúvida, um ponto forte. Talvez por isso seis nomes assinem pela equipe de Arte: Marcos Fronckowiak, Maura Sobrosa, Daniel Carvalho, Rafael Araújo, Paulo Cruz, Ateliê GZBL. Resta saber que basta a atriz colocar uma máscara para uma das crianças dizer: “a formiiiga!” Outra imita o movimento que a pomba (Ariane) faz com a cabeça.
O espetáculo segue e eu me divirto com a maneira com que os atores contam as histórias. Esqueço o desafio que foi ensaiar 16 fábulas para apresentar apenas quatro, mas que ainda assim me levam para aquele mundo cheio de fantasia. Um enorme desafio para o grupo com essa proposta deixa em aberto para uma das características que mais aprecio no teatro: o improviso. Previsível, porém, é que a trilha sonora seja tão boa e tão adequada às cenas. Afinal, quem se responsabiliza por essa é o próprio diretor.
 Eu me pego, em um determinado momento, fazendo uma exclamação de surpresa, quando as personagens “deixam cair o leite no chão”. Para mim, essa é a prova de que o espetáculo atingiu seu objetivo de chegar à plateia e que valeu todo o esforço de usar linguagens distintas como do musical, do clown e do teatro de objetos para contar essas histórias, tão ricas de conteúdo, de mensagens que fazem nós, adultos refletirmos e que encantam as crianças.
Só na saída do teatro lembro que chovia. Saio pensando que mais pessoas precisavam ter contato com a arte, que uma visão mais otimista do mundo vem daí. São nesses momentos que deixamos de nos concentrar nas coisas ruins, no lado mal dos seres humanos, nas dificuldades de nossas próprias vidas para como diz uma das músicas do espetáculo “poder sonhar”. Tudo isso tem muita relação com o que o diretor escreveu no programa, onde consta o meu nome nos agradecimentos:  “Será loucura a guia de quem dedica-se à arte? Se sim, que predomine a insanidade do mundo para que o Amor esteja sempre presente”. Considero uma honra ver meu nome associado a artistas que levam a arte tão a sério. Por tudo isso, quem sai agradecida sou eu. E como La Fontaine dizia que textos curtos e interessantes eram melhores do que longos e distantes encerro por aqui, certa de que, realmente, as fábulas tem poder, o poder de ficar na memória. Caminho pela Avenida Borges cantarolando uma música da minha infância de uma fábula de La Fontaine: “Lá vem dona tartaruga, vem andando sossegada. Vou sair da frente dela para não ser atropelada”.

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