O convite para ir ao teatro partiu da minha irmã Vera Mello. Isso porque a vida, mais uma vez, criou um elo inesperado. Rodrigo Scalari, que foi meu colega na universidade de Artes cênicas, se transformara em aluno dela. Eu já tinha visto comentários muito favoráveis sobre esse trabalho dirigido por Marco Fronchetti no Facebook onde também li as manchetes de uma crítica na ZH e de Antonio Hohlfeldt no Jornal do Comércio, ambas também aplaudindo o espetáculo. Fiz questão de não lê-las antes para não deixar interferir na minha impressão.
A fila da sala da Álvaro Moreira mostrava que palavras, sejam as dos críticos ou do boca a boca, ainda funcionam e atraem até quem não tem o hábito de ir ao teatro ou não gosta muito do que vê quando vai. Para mim, aquela capacidade de fazer de conta que aparece desde o início no espetáculo Do It é mágica. E, enquanto vejo, me divido em duas. Uma que se encanta com a delicadeza de cada gesto dos atores e outra que fica ali se perguntando o que leva aqueles adultos a estarem ali fazendo papel de crianças? De alguém que tenha dificuldade de entender o que é a arte.
No palco, cheio de caixas transformadas em cenário, reconheço cenas de algumas práticas teatrais que já fiz e que, por isso mesmo, dou valor. Sei como é difícil chegar aquele resultado, tão limpo e tão expressivo ao mesmo tempo. E me vem à tona um título que tenho a impressão de já ter usado antes: a sofisticada simplicidade. Porque é isso. No roteiro do espetáculo não há nada de mirabolante. Nem nos gestos, nem nas falas. Nem mesmo no figurino de Rô Cortinhas que, parafraseando Fernando Pessoa, “não exagera, nem exclui.” Muitos outros espetáculos já apresentaram histórias parecidas e a questão do teatro que fala de teatro (a famosa metalinguagem) não é novidade. E, no entanto, o espetáculo vai me tocando fundo, me trazendo lembranças. Justamente na semana em que reencontrei uma antiga paixão depois de mais de 20 anos. Em que passei por aquele constrangimento inicial para a alegria das lembranças de um tempo de ingenuidade e de intensidade das emoções, dos amores proibidos. E, em outra cena, em que a personagem faz o público rir pelo exagero de sua reação a uma negação do pai, lembro-me de mim mesma, atirada no chão da sala da minha casa, aos prantos, aos gritos, com sentimentos de ódio e desejos de morte, unicamente pela proibição de meu pai de sair depois de um determinado horário. E enquanto viajo no tempo, o elenco impecável na sua expressividade, segue em cena, em ações prosaicas mas não por isso menos tocantes. E dão uma aula de teatro, não pelos grandes deslocamentos, gestos ou falas mas pelos olhos, o olhar que diz a nós expectadores muito mais do que qualquer palavra. Eles nos transmitem alegria, sofrimento, sensualidade, angústia e, ao nos encararem, os atores nos levam para dentro da cena, nos aproximando ainda mais do que eles querem dizer. Será?
Saio com a impressão de que é um espetáculo que mais do que tudo leva a gente a ouvir a si próprio e é por isso que a frase “não vai mais ter teatro” não me passa despercebida. Imediatamente, penso que, como jornalista, já ouvi muitas vezes que, no futuro, não haverá mais papel e, no entanto, percebo ali que isso nunca me provocou o que a possibilidade de não existir mais teatro me provoca. E a explicação para isso vem de outra frase dita pelos atores: “Quando eu penso na minha vocação, eu não sinto medo da vida”. É isso! Exatamente isso que o teatro me trouxe, uma coragem que eu não tinha, o fim de um medo que parecia que não terminaria nunca. Bem, e essa beleza de trilhas sonoras como a desse espetáculo de responsabilidade do próprio diretor com a colaboração (e o amor, diz no programa, de Uriel Battisti). E quando vejo, lá se vão para casa, juntas, em harmonia, aquela que há muito se apaixonou pelo teatro e a outra que se acha na obrigação de convencer todo mundo que a arte e a vida são uma coisa só.
Que lindo Helena! Teu texto é uma poesia, uma recriação daquilo que vivenciamos neste processo. Muito obrigado!
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