Wednesday, May 06, 2009

BOAL – O HOMEM QUE INVENTAVA O FUTURO

            No dia 02 de maio, veio a falecer aos 78 anos, o diretor, dramaturgo e teórico Augusto Boal, vítima de insuficiência respiratória, sofria de leucemia e estava internado desde o dia 28 de abril.

            O filho do Padeiro, como se intitulou em sua autobiografia Hamlet e o filho do padeiro, criador do Teatro do Oprimido, esteve entre os indicados ao Prêmio Nobel da Paz 2008. Não ganhou, mas no mesmo ano recebeu o prêmio da Fundação Príncipe Claus para a Cultura e o Desenvolvimento, entregue pela Família Real holandesa. No Brasil, nunca foi tão difundido quanto no exterior, em Nova Iorque , por exemplo, existe até o dia do Teatro do Oprimido, proclamado pela Prefeitura.

            Augusto Boal foi um dos mais importantes criadores de teatro do século e o seu método de trabalho é realizado em mais de setenta países, em diversas áreas como educação e movimentos sociais. Os grupos de Teatro do Oprimido ajudam milhões de pessoas ao redor do mundo a afirmarem sua cidadania nas lutas contra todo desrespeito aos Direitos Humanos.

            Uma das modalidades de Teatro do Oprimido mais utilizadas, segundo a Professora Drª Sílvia Balestreri, incentivadora da criação do CTO-Rio, é o Teatro-Fórum. Veículo de ativação e mobilização não apenas na hora de ser apresentado e de se convidar a platéia a intervir na cena, quando ela toma lugar dos protagonistas para propor alternativas à situação mostrada, mas também no processo de criação e montagem de peças, pois há confrontos com questões que reviram qualquer possibilidade de postura cristalizada.

            Para se ter uma idéia da relevância de seu trabalho, Boal lembra que trinta dias após a tragédia das torres gêmeas do World Trade Center começou uma oficina no Teatro Laboratório do Oprimido em Nova Iorque com os jovens próximos do local onde ainda estavam soterrados seis mil mortos. Com cautela para não provocar emoções dolorosas, percebeu que o medo era a tônica do que brotava nas cenas. Um medo desvelado pelo teatro que possibilitava compartilhar os anseios e vontades oprimidas e não estava restrito a tragédia recente, mas ao desamparo do humano frente a insegurança no mundo. Constatou Boal que a verdade é terapêutica, jovens aprenderam a ver o mundo além de suas fronteiras praticando o teatro, o diálogo, queriam conquistá-la. Perplexos, buscavam sua verdadeira identidade, escamoteada pelo mentiroso discurso político e pela mídia censurada.

            O embaixador do teatro pela UNESCO Augusto Boal inventava o futuro, por que via mais além. No discurso de homenagem ao dia do teatro Boal disse: Atores somos todos nós, e cidadão não é aquele que vive em sociedade: é aquele que a transforma!

 

Márcio Silveira dos Santos

Mestrando do Programa de Pós-graduação em Artes Cênicas da UFRGS

 

Publicado originalmente no Jornal Vale dos Sinos em 06 de Maio de 2009.

Sunday, May 03, 2009

No meio do caminho tinha uma casca de banana...


Um amigo me disse que tinha convite para eu ir ao teatro com ele. Perguntou se eu queria. Respondi, imediatamente, que sim. Nem sabia que peça era, onde era, nada. Se ia ter companhia, não precisava de recursos e veria um espetáculo, só podia ser esta a resposta. Mais tarde, quis saber detalhes e ele me disse: “vamos assistir o espetáculo "A última gravação de Krapp e Ato sem Palavras I", do dramaturgo irlandês Samuel Beckett, com Sérgio Britto. Acrescentava ainda informações que estavam na revista Arte SESC: "No primeiro texto, um escritor grava os acontecimentos do ano que passou e escuta passagens de anos anteriores e, no outro, um personagem no deserto tenta, em vão, matar sua sede". Era mais do que eu precisava saber. 

Tenho esta mania. Não sou como os gregos que, mesmo sabendo exatamente o que iria acontecer no “palco”, iam do mesmo jeito. Gosto de ir “no escuro”, o que no caso de um espetáculo Beckettiano parece muito apropriado. No entanto, já nos primeiros momentos da peça em que o ator entra, abre uma gaveta, pega um banana e come. Pega uma segunda banana e come e parte para uma terceira... Atira a casa no chão e caminha. Estava instaurada a apreensão do espetáculo. Ah, mas, em seguida o ator junta. A partir dali, eu pensei que era bom saber que Becket gostava de tratar em suas obras da incomunicabilidade do homem e de retratar coisas prosaicas para mostrar o absurdo da vida (lembrei do chapéu em Esperando Godot). Isso fez com que eu aceitasse com total tranqüilidade aqueles minutos de silêncio no palco, enquanto podia sentir a forte expectativa da platéia lotada, a energia densa que se estabelecia. 

Devo confessar que, em outras ocasiões, não conseguir compreender o que este dramaturgo irlandês propõe já foi motivo de apreensão para mim. Por isso, foi com satisfação que fiquei aproveitando a competência de Sergio Brito em me transmitir tão claramente tudo que se passava com Krapp, enquanto ouvia uma gravação muitos anos antes. Provavelmente, isto acontece porque Beckett já fez parte da vida artística do ator em outras experiências teatrais. Aliás, o espetáculo é provocador (nem poderia ser diferente) já que a voz é o suficiente (pelo menos na atuação de Sergio Britto) para formatar o personagem que contracena com ela. Vamos tomando contato com o registro que evoca a memória, mas, que traz a certeza de que o que está feito, está feito, assim como aquela gravação. Esta, aliás, é tão bem elaborada que “vemos” aquela pessoa jovem, um tanto ingênua e pretensiosa, contrastando com aquele homem velho que a escuta.

 

Enquanto eu entrava na história que me apresentava o arrependimento, a melancolia, o sofrimento de alguém que vê (ou ouve?) a si mesmo fazer coisas que o futuro mostraria que deveriam ter sido diferentes, admirava a capacidade daquele homem de 85 anos de viver aquele faz-de-conta com tanta intensidade a ponto de nos sensibilizar e nos fazer pensar naquilo que gostaríamos também de refazer em nossas vidas. Então, vejo um Beckett se revelar para mim e me provocar emoções e lembranças. 

O cenário de Fernando Mello “cumpre o seu papel” como gostam de dizer, embora eu ache esta colocação um tanto fraca já que em sua simplicidade de elementos, vamos para aquela sala que tem o peso daquilo que acontece nela. E pensar que isso seja simples de acertar, não corresponde à realidade do teatro (e ele não digo isso por ser meu parente, pois, não é).

 

Infelizmente, sobre a iluminação (de Tomás Ribas) só sei falar quando atrapalha. O que, neste caso, não acontece. Quanto ao figurino (Ney Madeira), é muito acertado na medida em que me faz ver o personagem no que ele tem de patético. A música de Tato Taborda por vezes marcava mais do que a cena, o que acredito não deveria ocorrer. Mas, é preciso que se diga que, em outros momentos, sublinhava a angústia de forma muito competente. 

Na segunda parte, no Ato sem palavras I, mais uma vez, fica comprovado que, no teatro, as palavras não são indispensáveis. Alguns elementos cênicos, uma proposta, razoavelmente, simples, algo a ser dito e um ator com “A” maiúsculo e temos algo que merece ser visto.

 

Bate-papo

Após o espetáculo, Sergio Britto ainda fez um bate-papo com a platéia, formada, aliás, por muitas pessoas da própria classe. Assim, era possível sentir a admiração e o respeito pelo que acabava de ser mostrado. Consideração, aliás, que faltou a equipe técnica ao não apagar a luz direcionada ao palco, ofuscando o ator e fazendo-o reagir como alguém cego, surdo e mudo, coisa que, certamente, não é o caso. Eu não tinha entendido nada. Até que o Diretor Alex Cassal, amigo de amigas minhas, me explicou o que havia acontecido. Por falar em diretores, Isabel Cavalcanti foi muito citada pelo ator durante a conversa. Pelo que ele relatou, ela teve forte influência no resultado que tínhamos acabado de ver.

Sergio Britto contou, também, que esta peça foi escrita por Beckett relatando uma situação de sua própria vida. Ou seja, tínhamos tido o privilégio de acompanhar a forma nada tradicional de uma espécie de anotações em um diário à la Beckett. Não quero deixar de citar aqui o que o ator disse quando foi questionado sobre o tipo de formação que deve ter um ator. Para ele, todos deveriam passar por Stanislavski. 

Saturday, May 02, 2009

Morre Augusto Boal

Há poucos dias, um amigo me dizia: acho que a tua pesquisa devia ter sido sobre este Boal. Tu tá sempre falando nele. Nem falava tanto assim. Muito menos do que deveria. Mas, é verdade que, desde que tive um contato um pouco mais próximo com suas propostas, achei que tinha aí algo muito importante para o teatro. Desde então, tudo sempre vinha me confirmando isso, mesmo que eu percebesse que muita gente resistia a aceitar a sua supremacia. Aliás, esta é mais uma razão para que, sempre que eu achasse que era oportuno, relembrá-lo. Não achava bacana ver um brasileiro tão talentoso meio de escanteio. Bem, agora, vou me limitar a transcrever a matéria de sua morte, pois, como acontece na maioria das vezes, agora que ele se foi, por um bom tempo ninguém vai questionar o quanto ele significava.

Morre Augusto Boal, um dos maiores dramaturgos do Brasil

Publicada em 02/05/2009 às 16h54m

Christina Fuscaldo de Erika Azevedo

O dramaturgo Augusto Boal em 2006 / Foto Leonardo Aversa

RIO - Morreu na madrugada deste sábado aos 78 anos o diretor de teatro, dramaturgo e ensaísta Augusto Boal. Expoente do Teatro de Arena de São Paulo (1956 a 1970) e fundador do Teatro do Oprimido (inspirado nas propostas do educador Paulo Freire), ele sofria de leucemia e estava internado na CTI do Hospital Samaritano, no Rio de Janeiro. No final de março, ainda teve forças para marcar presença um uma conferência da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), em Paris, onde recebeu o título de Embaixador Mundial do Teatro.

A notícia foi enviada aos amigos pelo diretor Aderbal Freire-Filho, que lamentou a grande perda para o teatro brasileiro. O último encontro de Aderbal com o amigo foi na sala de espera do consultório do Dr. Flavio Cure Palheiro, médico que monitorou o desenvolvimento da doença de Boal.

- A gente sempre diz que os mortos são insubstituíveis, mas Boal, de fato, o é. Ele é um dos deuses do arquipélago do teatro, um dos mitos da nossa religião. É uma perda irreparável - lamentou Aderbal.

Augusto Pinto Boal nasceu em 16 de março de 1931, na Penha, bairro da zona Norte do Rio. Suas técnicas e práticas difundiram-se pelo mundo, notadamente nas três últimas décadas do século XX, sendo largamente empregadas não só por aqueles que entendem o teatro como instrumento de emancipação política mas também nas áreas de educação, saúde mental e no sistema prisional. Suas teorias sobre o teatro são estudadas nas principais escolas de teatro do mundo. No jornal inglês The Guardian, já se escreveu que "Boal reinventou o teatro político e é uma figura internacional tão importante quanto Brecht ou Stanislavski".

- Boal nos representa no Brasil e fora dele. Há livros traduzidos em francês, holandês, mais de vinte línguas. O Teatro do Oprimido é estudado em muitos países. Se ele falecesse na França, a repercussão ia ser enorme - comenta Aderbal Freire-Filho.

Ao voltar de uma temporada em Nova York - onde estudou Engenharia Química (Columbia University) e dramaturgia (School of Dramatics Arts) e pôde acompanhar as montagens do Actor's Studio, que utlizava o método de interpretação Stanislavski - em 1956, Boal passa a integrar o Teatro de Arena de São Paulo, que tornou-se uma das mais importantes companhias de teatro brasileiras. Com sua experiência, incentivou a encenação de textos brasileiros, de autores como Gianfrancesco Guarnieri, o que livrou o grupo da falência, na década de 50. Essa retomada do Arena causa uma revolução na cena brasileira, abrindo caminho para uma dramaturgia nacional de nomes como Oduvaldo Vianna Filho.

A enciclopédia do Itaú Cultural traz uma análise do crítico Yan Michalski, um dos mais importantes do teatro brasileiro, sobre Boal:

"Até o golpe de 1964, a atuação de Augusto Boal à frente do Teatro de Arena foi decisiva para forjar o perfil dos mais importantes passos que o teatro brasileiro deu na virada entre as décadas de 1950 e 1960. Uma privilegiada combinação entre profundos conhecimentos especializados e uma visão progressista da função social do teatro conferiu-lhe, nessa fase, uma destacada posição de liderança. Entre o golpe e a sua saída para o exílio, essa liderança transferiu-se para o campo da resistência contra o arbítrio, e foi exercida com coragem e determinação. No exílio, reciclando a sua ação para um terreno intermediário entre teatro e pedagogia, ele lançou teses e métodos que encontraram significativa receptividade pelo mundo afora, e fizeram dele o homem de teatro brasileiro mais conhecido e respeitado fora do seu país".

Com o fechamento do Teatro de Arena, veio o Teatro do Oprimido. Boal dizia que "o Teatro do Oprimido é o teatro no sentido mais arcaico do termo. Todos os seres humanos são atores - porque atuam - e espectadores - porque observam. Somos todos 'espect-atores'". Criada no final da década de 60, em São Paulo, sua técnica utiliza a estética teatral para discutir questões políticas e sociais.

Na década de 70, enquanto esteve exilado em Lisboa, durante a ditadura militar no Brasil, Boal difundiu o método na América Latina e Europa. Na época, Chico Buarque compôs "Meu caro amigo", como uma carta em forma de música, em homenagem ao dramaturgo.

Em 2008, foi indicado ao prêmio Nobel da Paz devido ao reconhecimento a seu trabalho com o Teatro do Oprimido. No dia 16 de março do mesmo ano, atores, teatrólogos e militantes da cultura comemoraram pela primeira vez o Dia Mundial do Teatro do Oprimido. A data foi escolhida por ser a mesma do nascimento de Augusto Boal. 

http://oglobo.globo.com/cultura/mat/2009/05/02/morre-augusto-boal-um-dos-maiores-dramaturgos-do-brasil-755596226.asp