Sunday, May 03, 2009

No meio do caminho tinha uma casca de banana...


Um amigo me disse que tinha convite para eu ir ao teatro com ele. Perguntou se eu queria. Respondi, imediatamente, que sim. Nem sabia que peça era, onde era, nada. Se ia ter companhia, não precisava de recursos e veria um espetáculo, só podia ser esta a resposta. Mais tarde, quis saber detalhes e ele me disse: “vamos assistir o espetáculo "A última gravação de Krapp e Ato sem Palavras I", do dramaturgo irlandês Samuel Beckett, com Sérgio Britto. Acrescentava ainda informações que estavam na revista Arte SESC: "No primeiro texto, um escritor grava os acontecimentos do ano que passou e escuta passagens de anos anteriores e, no outro, um personagem no deserto tenta, em vão, matar sua sede". Era mais do que eu precisava saber. 

Tenho esta mania. Não sou como os gregos que, mesmo sabendo exatamente o que iria acontecer no “palco”, iam do mesmo jeito. Gosto de ir “no escuro”, o que no caso de um espetáculo Beckettiano parece muito apropriado. No entanto, já nos primeiros momentos da peça em que o ator entra, abre uma gaveta, pega um banana e come. Pega uma segunda banana e come e parte para uma terceira... Atira a casa no chão e caminha. Estava instaurada a apreensão do espetáculo. Ah, mas, em seguida o ator junta. A partir dali, eu pensei que era bom saber que Becket gostava de tratar em suas obras da incomunicabilidade do homem e de retratar coisas prosaicas para mostrar o absurdo da vida (lembrei do chapéu em Esperando Godot). Isso fez com que eu aceitasse com total tranqüilidade aqueles minutos de silêncio no palco, enquanto podia sentir a forte expectativa da platéia lotada, a energia densa que se estabelecia. 

Devo confessar que, em outras ocasiões, não conseguir compreender o que este dramaturgo irlandês propõe já foi motivo de apreensão para mim. Por isso, foi com satisfação que fiquei aproveitando a competência de Sergio Brito em me transmitir tão claramente tudo que se passava com Krapp, enquanto ouvia uma gravação muitos anos antes. Provavelmente, isto acontece porque Beckett já fez parte da vida artística do ator em outras experiências teatrais. Aliás, o espetáculo é provocador (nem poderia ser diferente) já que a voz é o suficiente (pelo menos na atuação de Sergio Britto) para formatar o personagem que contracena com ela. Vamos tomando contato com o registro que evoca a memória, mas, que traz a certeza de que o que está feito, está feito, assim como aquela gravação. Esta, aliás, é tão bem elaborada que “vemos” aquela pessoa jovem, um tanto ingênua e pretensiosa, contrastando com aquele homem velho que a escuta.

 

Enquanto eu entrava na história que me apresentava o arrependimento, a melancolia, o sofrimento de alguém que vê (ou ouve?) a si mesmo fazer coisas que o futuro mostraria que deveriam ter sido diferentes, admirava a capacidade daquele homem de 85 anos de viver aquele faz-de-conta com tanta intensidade a ponto de nos sensibilizar e nos fazer pensar naquilo que gostaríamos também de refazer em nossas vidas. Então, vejo um Beckett se revelar para mim e me provocar emoções e lembranças. 

O cenário de Fernando Mello “cumpre o seu papel” como gostam de dizer, embora eu ache esta colocação um tanto fraca já que em sua simplicidade de elementos, vamos para aquela sala que tem o peso daquilo que acontece nela. E pensar que isso seja simples de acertar, não corresponde à realidade do teatro (e ele não digo isso por ser meu parente, pois, não é).

 

Infelizmente, sobre a iluminação (de Tomás Ribas) só sei falar quando atrapalha. O que, neste caso, não acontece. Quanto ao figurino (Ney Madeira), é muito acertado na medida em que me faz ver o personagem no que ele tem de patético. A música de Tato Taborda por vezes marcava mais do que a cena, o que acredito não deveria ocorrer. Mas, é preciso que se diga que, em outros momentos, sublinhava a angústia de forma muito competente. 

Na segunda parte, no Ato sem palavras I, mais uma vez, fica comprovado que, no teatro, as palavras não são indispensáveis. Alguns elementos cênicos, uma proposta, razoavelmente, simples, algo a ser dito e um ator com “A” maiúsculo e temos algo que merece ser visto.

 

Bate-papo

Após o espetáculo, Sergio Britto ainda fez um bate-papo com a platéia, formada, aliás, por muitas pessoas da própria classe. Assim, era possível sentir a admiração e o respeito pelo que acabava de ser mostrado. Consideração, aliás, que faltou a equipe técnica ao não apagar a luz direcionada ao palco, ofuscando o ator e fazendo-o reagir como alguém cego, surdo e mudo, coisa que, certamente, não é o caso. Eu não tinha entendido nada. Até que o Diretor Alex Cassal, amigo de amigas minhas, me explicou o que havia acontecido. Por falar em diretores, Isabel Cavalcanti foi muito citada pelo ator durante a conversa. Pelo que ele relatou, ela teve forte influência no resultado que tínhamos acabado de ver.

Sergio Britto contou, também, que esta peça foi escrita por Beckett relatando uma situação de sua própria vida. Ou seja, tínhamos tido o privilégio de acompanhar a forma nada tradicional de uma espécie de anotações em um diário à la Beckett. Não quero deixar de citar aqui o que o ator disse quando foi questionado sobre o tipo de formação que deve ter um ator. Para ele, todos deveriam passar por Stanislavski. 

1 comment:

  1. que hohfeldiana que tu estás, dona helena, falando da técnica e tudo, heim... rsrsrs

    ó, acho chique gostar de becket. por isso, ai de ti que não gostasses!! mas esse negócio de sérgio brito ficar ouvindo um gravador e fazendo caras e bocas me lembra tonia carreiro, em jardim das cerejeiras, levando horas para cruzar o subir uma rampinha de nada só porque não se deu conta de que já deu o que tinha que dar...

    e, na real, nem sei se é o caso do sérgio britto que me parece bem bonzinho ainda para fazer muito mais que isso!!

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