Thursday, April 16, 2009

Desde quando faxina é cultura?

Chego atrasada, mas, chego. Localizei este texto meio por acaso na internet e achei que, assim como eu não tinha lido ainda, outras pessoas também, talvez, não. E, apesar de não gostar de assinar embaixo antes de confirmar informações,  abro uma exceção, pois, afinal,  se o Luiz Paulo falou, tá falado! 

texto de Luiz Paulo Vasconcellos, publicado em junho de 2008 no Caderno de Cultura da Zero Hora 

A Secretária de Estado da Cultura – e, por tabela, a Governadora também – precisam saber que “a intenção de usar a Cultura para promover a inclusão social” é picaretagem, demagogia ou, para ser um pouquinho mais erudito, uma falácia. Se elas pensam que comovem a sociedade – olha como elas são boazinhas, como estão preocupadas com os pobrezinhos!... – devem logo, logo, tomar consciência de que a sociedade, pelo menos a parcela da sociedade minimamente culta, abomina essa maquiagem com a qual o Governo do Estado conspira contra uma verdadeira política cultural. É claro, cultura é um termo genérico demais, sob o qual cabe desde o Porto Alegre em Cena ou o Museu Iberê Camargo, até “as ações sociais junto às áreas de educação, segurança e saúde”. E isto é cultura? – pergunto eu. Porque os governos têm sido incompetentes e a sociedade refratária à miséria que vai tomando conta das sinaleiras de Porto Alegre, agora a Secretária da Cultura tem que brincar de fada madrinha e promover a troca de “armas de brinquedo” por livros? Que livros, minha senhora? E as armas verdadeiras, o que fazemos com elas? Continuarão sendo usadas em assaltos? Inclusiva a livrarias? E o que dizer sobre o projeto hip-hop e funk? Uma mostra competitiva de grupos com oficinas de rap e grafite. Gente, nem no pior dos governos populistas se promoveu tamanha safadeza. Tem ainda a limpeza dos monumentos históricos e prédios tombados. Um dia no semestre. Em agosto. E desde quando faxina é cultura? E os projetos para a dança, para as artes plásticas, para o teatro, para a música, para a memória cultural, para o cinema, para a literatura? – ah, não, a literatura está contemplada no projeto das tais bancas montáveis em praças de cidades para incentivar a leitura.  E sob essa intenção caridosa esconde-se toda a promiscuidade de uma política que não passa de esmola, se é que chega a tanto.

 

Quando o governador Rigotto tomou posse, publiquei na revista Aplauso uma carta em que dizia: “Se a um governo responsável cumpre, por um lado, reconhecer, incentivar e cultivar as manifestações culturais do povo, por outro, deve necessariamente valorizar seus artistas e intelectuais, porque é através de suas obras que a cultura faz algum sentido para a sociedade. O desenrolar da história serve sempre de modelo. Assim, não será demais recordar o papel da democracia na consolidação da tragédia grega, o da igreja na renovação da cena medieval, o do mecenato na transformação da arquitetura teatral renascentista, para ficarmos com alguns exemplos tirados ao acaso da história do teatro. Eurípedes, Shakespeare, Molière, Ibsen, Beckett e O´Neill, para citar apenas alguns dos grandes, resultaram de políticas culturais definidas, não necessariamente ideais, mas de qualquer modo definidas, que reconheciam no artista um elo de ligação fundamental entre governo e povo, entre sociedade e cultura”. 

 Senhora Secretária: falácia, segundo o Aurélio, quer dizer “qualidade ou caráter de falaz”. Falaz, por sua vez, quer dizer, “1. enganador, ardiloso, fraudulento; 2. vão, quimérico, ilusório, enganoso. No texto do verbete, o exemplo usado é de Euclides da Cunha, e diz: “Será o eterno tatear entre miragens de um processo falaz e duvidoso”. Exatamente como é hoje o projeto de política cultural do Estado. 

Luiz Paulo Vasconcellos

(ator, diretor, professor e poeta)

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