Nada como a música para sublinhar os acontecimentos dos
últimos dias e sacudir ainda mais profundamente minha memória. Betha Medeiros
me liga e diz: “responde rápido sem pensar muito. Eu tenho dois convites para ver
o show da Gal hoje, tu queres?” Até parece que é um teste, pois tenho dito que
preciso de um tempo para me programar, não tenho disponibilidade imediata. Mas,
nesse caso, não tinha por que dizer não.
Fui poucas vezes ao Bourbon Country. É meio longe, mas a principal razão
é que não é um dos lugares mais baratos. Então, essa era uma oportunidade que
não podia ser desperdiçada. Nessas
horas, lembro-me do meu amigo e diretor de teatro Nilton Filho que, quando
recebe algo de alguém, comenta que deve estar fazendo alguma coisa certa já que
mereceu tal coisa. Pois então... é isso que me vem a cabeça. Quem tem amigos...
Aliás, poder rever a Betha já era suficiente para mim. Então, lá nos
fomos.
Um pouco antes de entrar, ela me avisa que nossos lugares
são na plateia alta e eu digo rindo que, então, vou embora, que ela devia ter me
dito antes, etc. Brincadeira, claro, mas se não fosse um espetáculo de música
seria mesmo difícil. No início, tudo que consigo ver é a cabeleira crespa de
Gal. Pouca luz, ela de preto, mas a voz,
é claro, inconfundível. Estranho as músicas mais taciturnas. Na minha cabeça, está a imagem de uma Gal meio carnavalesca.
Mas não demora muito para ela começar a cantar as canções que me jogam para um
passado distante. Vejo-me no início dos anos 80, em meu primeiro emprego como
assessora de imprensa na Sociedade Amigos de Tramandaí. Hospedada em Imbé,
fazia o trajeto de uma praia a outra todos os dias e, no caminho ouvia muitas
vezes: “Eu preciso lhe falar....lhe encontrar de qualquer jeito...” Tendo
terminado um namoro de nove anos com o meu primeiro namorado, é natural que a música surtisse um efeito
angustiado que me marcaria para sempre. Talvez, por isso, tenha sido tão bom
ver a Gal fazendo ora uma voz grave, imitando Tim Maia, ora a sua própria voz,
levando toda a plateia, inclusive a mim, a rir.
Cantando uma música atrás da outra (e foram muitas) fui
atirada de volta para o momento presente, enquanto ela cantava “eu vi a mulher
preparando outra pessoa...” Imediatamente, surgia na minha cabeça a imagem da minha
amiga Daniela Aquino que está grávida do seu primeiro filho. Sempre achara essa
frase extremamente forte e poética e agora podia ligá-la a um momento tão real,
tão importante e reforçar o meu afeto por essa atriz, mestra, bailarina,
professora. Depois (ou antes), foi a vez de lembrar de um amigo ainda mais antigo que, ao perceber o
meu jeito mais prático de ver as coisas, cantava para mim: “Você precisa saber
da piscina, da margarina, da Carolina...”
E as lágrimas vieram entre uma música e outra e eu ouvia
vozes masculinas na plateia gritando “linda” para essa mulher de quase 70 anos,
cheia de curvas e via nos seus deslocamentos, nos seus gestos a direção do meu ídolo Caetano Veloso. Tudo que a deixara tão charmosa e tão
cativante, levando um teatro lotado a aplaudi-la de pé, mesmo antes dela fazer
o bis e incluir uma música que fazia o elo entre o passado e o presente. Mais
precisamente com os acontecimentos dessa semana em que reencontrei meus colegas
de comunicação que propuseram que nós deveríamos nos reapresentar. Isso me fez
acordar no dia seguinte pensando que deveria simplesmente ter cantado: “Quando
eu vim para esse mundo, eu não atinava em nada. Hoje, eu sou Gabriela. Gabriela
êee meus camaradas....” Afinal, ilusão pensar que podemos conhecer (ou
reconhecer) as pessoas apenas pelo que elas nos contam ou cantam. Mas, devo dizer
que, por noites como essa quando "tudo é divino e maravilhoso", ao contrário do autor do poema “Ressuscita-me”, musicado
por Caetano, Vladimir Maiakovki (que de acordo com os registros, se suicidou aos 37 anos) eu ainda quero viver o que
me cabe.
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