Tuesday, December 09, 2014

Buenos Aires, uma cidade para se comemorar!


Depois de Paris, Buenos Aires sempre foi a cidade preferida de minha mãe. Com quatro filhos, meus pais não tinham, exatamente, férias, mas, eventualmente, conseguiam roubar alguns dias para visitar a capital Argentina. Crescemos ouvindo histórias de seus dias caminhando pela 9 de julho, Corrientes, Suipacha, Santa Fé e sobre suas compras que, para nós, significavam pirulitos gigantes e chocolates suíços.
Não cansamos de contar aos amigos a história do dia em que minha mãe saiu do hotel, comprou toda uma roupa nova, uma peruca e, ao voltar, foi barrada por um recepcionista que não a reconheceu. Assim, acabamos querendo vir com eles algumas vezes e, nos últimos anos, tenho tido a chance de voltar seja sozinha ou em família.
Não dá para apagar esse afeto que tenho por essa cidade de ruas largas e prédios de arquitetura tão semelhante à francesa. O que, aliás, não é à-toa, já que muitos foram mesmo projetados por profissionais europeus. Por isso, entendo, perfeitamente, o desejo de minha mãe de ir comemorar o aniversário lá.
Menos de duas horas de Porto Alegre e estamos hospedadas em um hotel a poucas quadras do Obelisco. O que, como diz uma das minhas irmãs é a Tour Eiffel portenha. Descobri esse local na internet e temos sido bem acolhidos por uma diária menor do que muitos hotéis no interior do RS. Boa cama, bom banho e medialunas no café da manhã, entre outros tipos de bolo que minha mãe tanto adora.
No mais, é seguir pelas ruas planas e ver lindas praças, beber vinho e comer milanesas e empanadas. Sim, na hora de pagar pelas refeições sabemos que estamos muito distantes daqueles anos tão vantajosos para os brasileiros. Não importa se, no câmbio, cada real vale mais de três pesos, tudo também triplica de valor. Não vale mais a pena comprar nem roupas, nem sapatos, nada. Ainda é possível achar um pequeno objeto diferente e interessante por um valor razoável para não voltar de mãos vazias para os parentes e amigos. Mas, é só.
Tem sujeira nas ruas e, não é de agora. Assim como gente pedindo ou dormindo nas calçadas. Mas, o movimento intenso de gente nos bares e restaurantes até depois da meia-noite faz com que tenhamos a impressão de que estamos mais seguros do que em nossa própria cidade. Talvez, não seja bem assim. Talvez, seja mais uma questão de hábito que eles ainda mantenham como o cigarro, a leitura nas ruas e o costume de comprar flores ou ir ao teatro. Esses, aliás, em quantidades absurdas e com enormes filas. E, enquanto eles ganham toda a minha simpatia por esse desejo de cultura, o contrário não acontece. Eu, que busco sempre entender o comportamento alheio, observo o jeito nada sorridente dos argentinos de Buenos Aires e relevo o atendimento quase agressivo, principalmente nos mercados e serviços, o que transforma um simples sorvete em uma experiência de paciência e compreensão.
Sei que os argentinos estão ressentidos da sua situação e a enxurrada de brasileiros que transita para lá e para cá não é exatamente o que eles queriam, mas todo cidadão deve saber que turistas trazem divisas para o país e, mesmo que eu não esteja lá para resolver nenhum problema econômico e, nem mesmo para pensar no que significa essa alta inflação, nós também temos nossos próprios problemas e a vontade de escapar deles indo para a cidade vizinha.

E como acreditamos na vida após a morte e já doamos o corpo, fizemos um acordo de que quando uma de nós se for, a homenagem será, se for verão, derramar as lágrimas de saudade no mar ou, no inverno, com uma bela garrafa de vinho e Buenos Aires é sempre um bom destino para isso.  

Monday, December 01, 2014

Eles encontraram mais de 100 formas para o amor

Quando no início do espetáculo, anunciam o nome dos bailarinos e citam Denis Gosh, acho estranho. Afinal, sempre ouvi que profissionais da dança tinham que ser muito magros. Mas, precisou apenas alguns minutos de espetáculo para eu perceber que, não havia nada de errado nessa definição. Muito pelo contrário. Gosh dança muito e, se ele tem algum desejo de parecer mais magro, consegue no palco. Ele mantém uma leveza a cada passo e mostra também sua força, sustentando diversas vezes outras pessoas do grupo. Além disso, carrega do teatro toda a sua expressividade. Não é por acaso que ele assina a direção de elenco desses oito bailarinos (Aline Karpinski, Dani Dutra, Eduardo Richa, Fernando Faleiro, Joana Amaral, Juliana Rutkowski e Renata Teixeira) que, sendo tão únicos, parecem um só. E eles começam com uma música francesa, o que, é claro, me agrada. Mas, ao longo do espetáculo, ouvimos músicas de diversas nacionalidades. E não é só isso. Existe uma mistura de muitos estilos.  Eles mexem com o preconceito, com essa vigilância sobre o que devemos ou não ouvir e põem em cena músicas que, não raro, são rejeitadas justamente por quem frequenta teatro. Nesse espetáculo, não existe música brega ou de elite.  As escolhas são surpreendentes e a trilha é totalmente eclética.  
Sem nada de cenário, o palco totalmente nu, os bailarinos ocupam o espaço todo o tempo. Não todos. Aliás, um ponto alto de 100 formas para amor é, justamente, o jeito de “costurar” a coreografia de uma música para outra. Quem poderia imaginar aquelas emendas? Aquelas 100 formas de sair de cena? Só na mão de um diretor como Diego Mac tudo pode acabar tão bem conectado e apresentar essa perfeição cênica.
Existe também uma mescla de precisão e criatividade, duas características que, a princípio, nos parecem antagônicas. Em 100 formas de amor, elas estão em cada momento, em cada gesto que mantém tão presente a Macarena que o grupo já mostrou que pode ser poética. Mas, o grupo não mostra só o lado leve do amor, mas, também, os exageros da paixão e do ciúme. E, se grandes chefs de cozinha dizem que não se deve pegar um ingrediente e tentar fazê-lo ser outra coisa, as escolhas desse espetáculo mostram que, às vezes, uma música quer ser outra coisa. Assim, tem horas que, simplesmente, recordamos o que a música traz à memória e, em outras, somos completamente surpreendidos pela proposta dos coreógrafos. São muitos gestos, muitos movimentos, como o revezamento dos bailarinos durante a música Eduardo e Mônica. Nada é previsível na dramaturgia de Gui Malgarizi.
A maquiagem é singela, mas faz brilhar o rosto dos bailarinos, trazendo glamour e beleza, mas não vou fingir que sei como Fabrício Simões conseguiu aquele resultado de iluminação que dá poesia a cada momento, que destaca alguns pares em detrimento de outros e, depois, ilumina todos.
O figurino de Fabrício Rodrigues é sofisticado. As roupas parecem luxuosas e, embora nenhum bailarino esteja vestindo a mesma coisa, existe uma profunda harmonia.
Não consigo deixar de pensar que adoraria receber um abraço como tantos que vi e ser carregada por alguém daquela maneira. Aquela entrega já é o amor. E é justamente a música com esse nome, na versão de Maria Bethânia, que vai mexendo comigo, com a minha vontade de amar assim. Logo eu que já cantei tantas vezes com deboche essa música tão melodramática.
“Mas, tudo isso é pouco diante do que sinto” ... para dar uma pequena ideia da capacidade desse grupo em alternar ritmos, o que, sem dúvida,  exige muito e a gente sai do espetáculo pensando que outra música seria bom vê-los dançar. Que venha o 200 formas para o amor!