Wednesday, November 26, 2014

De filho para pai


Ambientes teatrais costumam reunir boas histórias e nem sempre elas estão no palco. É o caso de Paulo Fraga, pai de um dos alunos do Festival de Teatro Estudantil em Viamão que se aproximou para falar sobre a peça que ele havia gostado. Aos poucos, foi contando que havia começado a ver teatro somente há uns três anos quando veio para cidade. Com 55 anos, tanto divido até então na zona rural, conta que o primeiro filme que assistiu foi com seus amigos. Sentados em cima de vacas, olhavam o “cinema” projetado em um galpão, uma história do Teixeirinha.
Foi o filho Josué de 15 anos que o aproximou das apresentações na escola. Tendo participado de apenas quatro espetáculos até hoje conseguiu Destaque de Melhor ator em 2013 no espetáculo Memórias de um sargento de Milícias e foi indicado no Festival de teatro Municipal. Ele só dá motivos de orgulho ao pai que sempre que pode o acompanha. Foi assim que Paulo acabou participando do Curta Gaúcho Oxigênio. “Eles precisavam de alguém mais velho e eu estava lá”. Fraga conta que os filhos tocam vários instrumentos e, provando que os apoia nesse lado artístico, conta que, mesmo não tendo muitas posses, tem um bom investimento musical no quarto dos meninos. Segundo ele, fazem apresentações gratuitas em asilos e para crianças carentes.

Voltando a se referir ao espetáculo Maria Degolada apresentado no 2º Festival Estudantil de Teatro de Viamão, ele diz que se arrepia só de falar. “Meus filhos não foram classificados, mas eu tenho que admitir que esse espetáculo selecionado é muito bom”. Em seguida, já começa a fazer planos com Josué, que também está sempre presente e colaborando com os demais grupos participantes do festival, para fazer uma apresentação musical ainda nesse Natal. 

Friday, November 21, 2014

Quando o jornalismo vira teatro

O Mal-entendido, escrito em 1941 e publicado em 1944, pelo francês Albert Camus, foi uma tentativa do autor de criar uma tragédia moderna a partir de um “fait divers” que ele teria lido em um jornal em 1935. Para quem não sabe essa é uma expressão jornalística para os assuntos que não são categorizáveis nas editorias tradicionais como política, economia, etc, apresentando casos inexplicáveis e excepcionais. Mas, quem me conhece sabe que eu não gosto de ficar adiantando a história. Assim, o que posso dizer é que, para mim, será sempre fascinante essas situações em que “revelações” surgem como um golpe do destino. 
O espetáculo de Gilberto Fonseca e Daniel Colin (que também assina a dramaturgia) tem a coragem de apresentar ao público essa história intrincada e trágica. 
Fernanda Petit está irreconhecível no papel da filha, conseguindo oscilar entre um personagem que por vezes parece frio e em outros momentos à beira de um colapso. E não estou falando aqui só da sua aparência, cujo figurino de Antonio Rabadan tão bem caracteriza todos os atores, mas de sua atuação firme, segura e tão expressiva. Por conhecê-la mais de perto, sei que ela sofre para chegar a esse resultado e que duvida de si mesma, mas, acredito que seja exatamente por isso que ela consiga se colocar em cena tão inteira, tão outra. Contracenando com Gabriela Greco, elas mantêm a plateia sob suspense, gerando piedade e ao mesmo tempo asco. Só Elison Couto, a quem admiro e que têm a experiência de vários protagonistas, para conseguir ocupar espaço entre estas duas e acrescentar mais riqueza e energia a cada momento. Aliás, devo dizer que ele é um dos caras mais vivos e, com certeza, o mais morto que eu já vi nos palcos. 
Não é à-toa que Patrícia Maciel teve certa dificuldade de fazer com que sua participação em diversas cenas tivesse a mesma vibração. Não se trata de uma tarefa fácil. Até porque seu personagem não tem a mesma história para contar, não traz as mesmas sensações. Também acredito que falte mais mistério nesse personagem de Pedro Nambuco do serviçal que, tendo um papel tão contundente na história, poderia ser mais inconveniente, sorrateiro e menos caricato. 
A trilha sonora, em minha opinião, poderia ser mais sutil. Por vezes, escorrega para um terror que não condiz com o suspense. Ou, em alguns momentos, causa cortes que não deixam fluir as cenas. 
Agora, isso não diminui a competência do grupo Teatro de Areia na ocupação do Teatro de Arena que consegue transformar um espaço tão pequeno em um ambiente tão cheio de simbologia, criando uma forte atmosfera. Os elementos utilizados, a forma como os personagens interagem com eles merecem todos os elogios.
Creio que se Camus visse essa adaptação poderia até dizer que não tinha pensado em uma irmã tão agressiva, nem numa mãe tão sem esperança, mas ele teria que confessar que também não imaginara que fosse possível fazer tanto em um local tão restrito. E é essa a arte do teatro que é viva, mutante e deve ser vista por outros olhares. Assim, recomendo que aproveitem essa oportunidade de conhecer esse texto tão bem explorado por esse grupo e tirem suas próprias conclusões.

Saturday, November 15, 2014

Uma estrela amarela, um triângulo rosa e uma história para nunca mais esquecer


Talvez, algumas pessoas, como eu, achem que tratar de homofobia em uma época nazista seja tanta barbárie que acabe com certo receio de ir ao teatro para ver Os homens do triângulo rosa.  Por isso, foi preciso que alguns amigos começassem a fazer comentários muito favoráveis para que eu me convencesse que não poderia deixar de ir. Assim, preparada, fui surpreendida por um começo quase cômico do espetáculo e a presença musical e marcante de Gisela Haybeche. Eu conhecia sua voz de timbre aveludado das aulas do Departamento de Artes cênicas, mas nunca tinha imaginado que ela poderia ficar quase irreconhecível em um personagem glamoroso e, ao mesmo tempo, tão real. O figurino de Antonio Rabadan contribui para isso. Mas, é a força, a confiança com que ela anda pelo palco e a intensidade dos olhares que conquista.
Marcelo Adams e Gustavo Susin contracenam com desenvoltura e firmeza nos papeis de homossexuais e levam, mesmo para os campos da época de Hitler, um lado engraçado de uma forte relação amorosa. E é esse clima inicial de cumplicidade, tão bem desenvolvido pela dupla que desperta todo o respeito e empatia que torna o que está por vir ainda mais cruel.
Não tem como não achar que todos os elogios que eu havia lido não foram suficientes para falar desse espetáculo feito com tanta delicadeza, mas também com tanta garra pela Cia Teatro ao Quadrado. Com poucos elementos cênicos (como o grande painel de pessoas aplaudindo) e ao mesmo tempo tão fundamentais para criar toda a atmosfera de uma época tão sinistra, é preciso uma direção corajosa como da Margarida Peixoto não só pela temática, mas pelas cenas que, por vezes, lembram “Esperando Godot”, de Beckett, com o mesmo non-sense tão carregado de sentido. Pelo tempo entre as falas. Pelo desafio de prender o público deixando apenas o sentimento suspenso no ar.
Os homens do triângulo rosa não seria como é se não fosse a atuação impecável de cada personagem desse elenco composto também por Alex Limberger, Pedro Delgado e Edgar Rosa, incluindo até mesmo o caminhar dos guardas e a postura que só pode vir da rigidez e do ódio. Aliás, é um espetáculo cuja linguagem corporal preenche todos os diálogos e tudo que não é dito.  E o que vai sendo contado assim é tão perturbador que eu me defendo buscando um olhar de espectador, de quem ainda se fascina com esse poder da arte de nos fazer mergulhar em outro tempo e espaço. E, ali, naquele palco, o teatro é mágico, mas, é também agonia.
Violentamente, Frederico Vasques nos transporta para aquele momento da história, nos fazendo esquecer que estamos em um espaço cênico em uma outra época, ainda que com tanto em comum. Sua contracenação com Marcelo Adams é impecável e intensa, não tem sobras e mostra o patético do seu personagem preso por um fio, o da intolerância.  Já Marcelo Adams nos apresenta todas as nuances de sentimentos tão profundos e antagônicos de quem não pode fugir do que é, nem tão pouco revelar.
Assim, apesar de todas as histórias sobre o nazismo que já vimos, esta peça, baseada no livro Bent, de Martin Sherman, nos atira para uma realidade que não foi suficientemente relatada na história, provando que, por mais terrível que possamos imaginar a força do preconceito nazista, este conseguiu ser ainda pior ao tratar dos homossexuais. Não, não há como se preparar para um espetáculo como esse porque ele é arrebatador por essa mistura de violência e delicadeza, de crueldade e de afeto e por apontar tão duramente o que o amor e a falta dele podem provocar na humanidade.



Thursday, November 06, 2014

O milagre da Torre Eiffel

Eu acredito em milagres porque eles acontecem comigo. Estava na fila para subir na Torre Eiffel e uma senhora e uma criança de uns seis anos falavam em francês sobre de onde vinham todas as pessoas que estavam ali, fazendo uma lista de diversos países. Eu me meti na conversa e citei o Brasil. Começamos a conversar. O menino, muito sorridente e esperto, dizia que não precisaria de bilhete pois tinha uma “chave” e mostrava a sua pequena torre dourada em um chaveiro. Eu, já cansada por ter ido a pé do centro até lá, comentei sobre a energia do menino e disse que deveria ser a torre que lhe dava esse poder. Ele achou engraçado e fingia que ia me dar a torre e pegava de volta. Entramos no elevador e não nos vimos mais. Amaguei numa fila por um bom tempo pois tinha comprado o bilhete para a parte mais alta (e menor). Não fiquei muito tempo lá em cima pois já eram quatro horas da tarde e eu estava sem comer nem beber nada e o corpo dava indícios de exaustão. Saí procurando uma estação de metrô e, no caminho, encontrei um restaurante. Lembrei que minha mãe sempre sugere que se faça uma parada para recuperar as forças quando o caminho é longo e resolvi comer ali. Uma multidão passava pela minha frente a cada instante em direção a torre. Não demorou muito, surge a minha frente a mesma senhora e o menino, procurando um lugar para beber algo. O menino me vendo diz para a senhora que quer se sentar ali. Ficam os dois ao meu lado e começamos a conversar sobre as nossas viagens já que ela havia vindo do interior com o menino e também fazia programas turísticos. É ela que me ajuda depois a encontrar a estação e pegar o primeiro RER da minha viagem e chegar em pouco tempo ao meu destino. Bem, quem já esteve por lá sabe a gigantesca quantidade de pessoas que circula por ali e sendo o lugar mais visitado do mundo é o pior para marcar um encontro.  O propósito? Será sempre um mistério, mas, para mim, não deixa de ser um milagre.