Tive vários bichos ao longo da
vida. Muitos gatos, alguns cachorros e meu irmão gostava de ter tartarugas
quando ainda morávamos em um apartamento. Lembro, ainda que vagamente, que
algumas acabavam morrendo de uma maneira meio besta. Uma porta que se abria
enquanto a dita estava em baixo ou coisa parecida. Porém, eu não era apegada a
elas.
Depois quando fomos para uma
casa, a história com os gatos foi diferente. Eles apareciam no pátio e a gente
começava a cuidar, dava comida e quando batizava, pronto! Era nosso. Ainda mais
quando escolhíamos nomes como: Epaminondas da Silva Silvério. No entanto,
muitas vezes, meus pais nos fizeram levar os gatos para a Dona Palmira (uma
dessas casas que acolhiam os bichos). Lembro que era uma choradeira. Minha mãe
fazia longos discursos, dizendo que eles iriam ficar mais bem cuidados, etc. A
gente esperneava, mas, não havia jeito. Lembro, particularmente, de um gato
cinza que eu e minha irmã achamos na rua, enquanto andávamos de bicicleta, que
mais parecia um rato. Mas a gente resolveu que levaria para casa e o gato acabou
crescendo e foi ficando lindo, com alguma mistura de Angorá. Irreconhecível. Depois,
tivemos um cachorro. Não lembro como ele foi parar lá em casa. Já que minha mãe
e meu pai nunca foram muito interessados em animais. Todos eram apaixonados
pelo Toby, que latia bastante, fazia um furdunço na vizinhança. Acabou sendo
envenenado, provocando uma choradeira na família por vários dias. Era meio
ridículo até. A gente ficava bem, conversava sobre, dali a pouco, nos olhávamos
e voltávamos a chorar.
Passamos muitos anos sem querer
ter um cachorro de novo. Depois, quando eu já tinha meu próprio dinheiro,
resolvi que meu sobrinho que morava conosco deveria ter um cachorro e comprei
um Cocker, cor de mel, meigo que só vendo. Mas ele adoeceu e eu tive que correr
para o veterinário que disse que era Sinomose, que não tinha volta e seria
melhor eu me despedir do cachorro ali mesmo.
Chorei horrores, mas ouvi a voz do profissional e tive que dar a
notícia. Foi um drama. Afinal, um dia o cachorro estava ali. No outro, não
mais. Assim, essa tentativa nos afastou
da ideia de ter bichos de novo por muitos anos. Até que esse mesmo sobrinho
acabou trazendo para a casa uma cadela, batizando-a de um nome francês,
provavelmente para amolecer o coração da minha mãe e, mais tarde, um gato que,
durante um bom tempo, ficou escondido no quarto dele, pois ele sabia que havia
uma resistência a novos bichanos. Afinal, todos sabemos, eles exigem cuidados.
Anos depois, quando meu sobrinho
se mudou, começou levando os bichos com ele: a Charlotte e o Bernard, um gato
branco lindo. Senti a ausência dos dois, mas sabia que estavam sendo bem
tratados e podia visitá-los sempre que quisesse. Quis a vida, porém, que eles
acabassem voltando, assim como meu sobrinho, para casa. Isso fez com que minha
mãe, vendo que havia certa negligência de nossa parte, incluísse em suas
tarefas diárias dar comida e água para os animais. Para mim, sobrava a parte de
dar banho e levá-los ao veterinário eventualmente. Muito pouco para o benefício
de ter uma cadela que festeja todas as entradas que eu fazia na casa. Não havia
uma única vez que ela não me recebesse com a maior demonstração de alegria. Eu,
que achava que só gostava de cachorros pequenos e peludos, não tinha como não
me apaixonar pela forte personalidade da Charlotte que parecia encantar a
todos. E, foi assim, que o Dick entrava em nossas vidas. Primeiro, apenas
fazendo companhia para a cadela em suas corridas lomba acima e lomba abaixo,
usufruindo da liberdade fora do portão. Depois, fazendo plantão na frente da
casa todos os dias, inclusive quando chovia. Dia de festa, não raro, ele
acabava entrando com algum convidado, tentando se misturar. Mas foi um atropelamento que abriu as portas
definitivamente para a sua nova morada. Ao vê-lo machucado, minha mãe tentou
localizar o dono e descobriu que ele não tinha ninguém que assumisse
verdadeiramente esse papel. Ele recebia comida? Sim. Tinha o que beber? Também.
Mas, só. E, assim, sem entrar nos pormenores de toda uma saga do que era para ser
uma guarda compartilhada, assumimos definitivamente o Dick. Em troca, ele fazia
questão absoluta de demonstrar toda a sua alegria de não ser mais um “homeless”
como nós costumávamos dizer nas muitas vezes em que ele dava as suas escapadas
para fazer uma ronda na rua que havia sido seu habitat por tantos anos. Mas,
não se enganem, não havia dúvidas sobre a sua felicidade em ser chamado de
volta, pois ele agora tinha a possibilidade de viver nesses dois mundos em que
os vizinhos passavam para dar olá e nós “conversávamos” com ele cada vez que
ele nos recebia.
Dick latia para tudo e para
todos. Isso fez minha irmã apelidá-lo de “guardião”. Logo que o adotamos não
era fácil dormir com seus latidos ininterruptos. Muitas vezes, tive que abrir a
janela para mandá-lo calar a boca. Bem, mas, aqui estou escrevendo detalhes de
coisas que qualquer pessoa que tem um animal já sabe: um animal exige cuidados,
mas nos dá muito mais em troca. Entre tantos momentos em que me senti querida
pela manifestação de alegria do Dick, ficou ainda a compreensão de que existem
muitas formas de afeto e, foi cuidando dele quando a idade começou a provocar
problemas mais sérios de saúde, acordando só para ver como ele estava,
alternando coisas que poderiam deixá-lo mais confortável, que eu, finalmente,
compreendi o jeito de me amar dos meus pais.
Não faz muito tempo, nós já
preocupados com as condições que a idade trazia para o Dick, o vimos ser
agredido por um cão da rua, que o abocanhava e o largava. Eu, entendendo que
ele não teria condições de resistir, sem saber o que fazer, corri em direção ao
cão aos gritos e consegui salvá-lo. Ele levou pontos. Exigiu cuidados
especiais, mas voltou a latir como sempre e a dar suas escapadas sempre que
podia. Voltando sempre com a mesma satisfação com que saía. Por isso, foi
preocupante, vê-lo nesses últimos dias tão abatido. Já não tendo o ímpeto de
explorar o lado de fora, buscando ficar próximo de mim quase todo o tempo. Só
que já não era tão simples escolher como tratar essa insuficiência respiratória que
agonia quem está em volta e deve ser terrível para quem a sofre. Fiquei
tentando evitar deixá-lo nas clínicas, pois, achava que o melhor era ele estar
entre as coisas e pessoas que conhecia. E, muitas vezes, quando ele estava em
silêncio, achavámos que já tinha chegado a sua hora. Mas, ainda na noite
passada, quando, finalmente, a falta de ar deu uma trégua e ele dormiu pensei
que tinha sido seu último suspiro. Aproximei a mão e ele levantou a orelha,
como se dissesse: não, ainda não.
Então, hoje, dia em que o Dick,
definitivamente, se foi, acabei derramando muitas lágrimas. Tendo uma reação
maior do que eu imaginava já que enfrentei da melhor maneira possível a perda
do meu irmão, do meu pai, da minha tia, de amigos. Provavelmente, fazendo uma espécie de catarse
de todas essas ausências, talvez lastimando o vazio que a partida do Dick deixa
no pátio e em nossas vidas. Mas, hoje, eu vou, tentar, finalmente, dormir
direito, pois sei que ele se sentia acolhido, que era grato pelo carinho que
recebeu. Tomara que eu consiga honrar o guerreiro que suportou tanta
dificuldade respiratória, a pouca audição, a pouca visão, e outras coisas que
eu jamais vou saber, só para me dar o prazer de tê-lo por perto. E, para quem acha que é melhor se poupar do
trabalho que um bicho dá ou prefere evitar as emoções que a perda pode
provocar, saiba que eu não tenho nenhuma dúvida: se eu pudesse voltar atrás
faria tudo de novo, pois receber o afeto de um bicho mais do que compensa,
recompensa.